segunda-feira, 11 de setembro de 2017


Delação da JBS: entenda a reviravolta no caso

por Redação — publicado 05/09/2017 10h30, última modificação 05/09/2017 12h28
Janot vai investigar o acordo firmado com Joesley Batista. Com o PGR em fim de mandato e prestes a denunciar Temer, o caso pode enfraquecê-lo



 procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez na noite de segunda-feira 4 um pronunciamento às pressas no qual anunciou uma nova investigação a respeito das atividades de Joesley Batista, um dos donos da holding J&F, proprietária da JBS, e de Ricardo Saud e Francisco de Assis e Silva, executivos da empresa. Ambos realizaram acordos de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República que embasaram, por exemplo, a denúncia por corrupção contra o presidente da República, Michel Temer.
A nova investigação não anula as provas entregues pelos delatores, mas cria um novo debate político a respeito da legitimidade das delações. Entenda o caso.
O que Janot anunciou na segunda-feira 5?
Janot determinou a abertura de um procedimento administrativo para revisar os acordos de delação de Joesley Batista, Saud e Assis e Silva. Os três integram o grupo de sete executivos da J&F que firmaram acordo de delação premiada.
Por que só agora Janot pediu essa nova investigação?
Porque avaliou que a última leva de documentos entregues pelos delatores traz indícios que precisam de investigação. Esse material foi entregue em 31 de agosto, último dia do prazo de 120 dias, a partir da homologação da delação, para que os colaboradores entregassem elementos de provas sobre os depoimentos prestados em abril.
E por que será realizada uma nova investigação?
Porque nos áudios entregues pela J&F há um áudio com "cerca de quatro horas de duração", segundo a PGR, que traz uma conversa entre Joesley e Saud com "elementos que necessitam ser esclarecidos". 
Há mesmo ministros do STF citados?
Sim, mas ainda não se sabe quantos, quais e qual o eventual grau de gravidade das citações. Em seu site oficial, a PGR afirmou que na conversa entre Saud e Joesley há "meras elucubrações, sem qualquer respaldo fático, inclusive envolvendo o Supremo Tribunal Federal e a própria Procuradoria-Geral da República", mas destaca os tais "elementos" que precisam de esclarecimento.
No despacho enviado por Janot ao STF, no entanto, o PGR fala de "trechos no áudio que indicam a omissão dolosa de crimes praticados pelos colaboradores, terceiros e outras autoridades, envolvendo inclusive o Supremo Tribunal Federal.
E Janot citou algum elemento concreto que exige investigação?
Apenas um. É o caso do ex-procurador da República Marcelo Miller, que integrou a força-tarefa da Lava Jato em Brasília e, depois, foi trabalhar no escritório Trench, Rossi e Watanabe, contratado pela J&F para negociar com as autoridades o acordo de leniência da companhia, uma espécie de delação premiada para empresas.
Segundo Janot, o áudio dá a entender que Miller estaria auxiliando na confecção de propostas de colaboração para serem fechadas com a PGR, o que poderia configurar crime de improbidade administrativa.
E como vai se dar essa investigação?
Janot determinou que até a sexta-feira 8 Joesley Batista, Saud e Assis e Silva prestem novos depoimento à PGR, em Brasília, para esclarecer as dúvidas dos investigadores. Eles também deverão apresentar o equipamento no qual a gravação foi feito, bem como os dispositivos onde os áudios estavam armazenados. 
Marcelo Miller foi intimado a comparecer à PGR, também até sexta-feira 8, para prestar depoimento sobre sua atuação. O escritório Trench, Rossi e Watanabe, para o qual Miller trabalhou após deixar a PGR, deverá apresentar informações sobre a demissão de Marcelo Miller e de Esther Miriam Flesch, outra advogada da banca e que foi recentemente desligada da sociedade.
O áudio é público?
Por enquanto, não. Em seu despacho, Janot encaminha o áudio ao relator da Lava Jato no STF, o ministro Edson Fachin, e afirma que é ele quem deve decidir "sobre sua publicidade ou não, considerando que, embora a Pet 7003 [a ação que envolve a J&F] seja pública, o mencionado áudio, além de apresentar supostos crimes, também revela diálogos da intimidade dos interlocutores e de terceiros". Fachin ainda não se pronunciou.
E a delação premiada da J&F pode ser anulada?
Não. Segundo a PGR, uma eventual revisão do acordo não implica nulidade de provas já produzidas em investigações. Pode haver, no entanto, reflexos na "premiação" da delação, inclusive com a perda total dos benefícios.
Janot estava prestes a denunciar Temer novamente. E agora?
Em tese, nada muda, e o PGR ainda pode denunciar o presidente da República. Ocorre que o caso, ainda que tornado público pelo próprio Janot, enfraquece o procurador politicamente. Isso porque desde o início do escândalo, Temer construiu sua defesa atacando a credibilidade de Joesley Batista e salientando o papel de Marcelo Miller, o qual Janot, inicialmente, disse não ser ilegal.
Na China, onde participa de encontro dos BRICS, Temer disse que recebeu as notícias sobre a delação de Joesley "com serenidade".






Um ano após o impeachment, a verdade em conta-gotas

por Redação — publicado 31/08/2017 12h47
Dilma Rousseff é inocentada no caso de Pasadena e da acusação de obstrução da Justiça, enquanto o Ministério Público reabre o processo das “pedaladas”

Há exatamente um ano, o Senado aprovava o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência da República. Naquele 31 de agosto, não importavam mais os argumentos usados para justificar a abertura, meses antes, do processo de impeachment pelo então presidente da Câmara dos Deputados, o hoje detento Eduardo Cunha.
Diante da dificuldade em provar o crime de responsabilidade nas chamadas “pedaladas fiscais”, o adiamento do repasse de créditos a bancos públicos, a petista acabou defenestrada, segundo seus algozes, pelo “conjunto da obra”: a corrupção na Petrobras, que ela tentou combater, a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, obstrução da Justiça, a crise econômica e a alta do desemprego... Além, é claro, por “defender o aborto” e ser uma ameaça a “Deus e à família”.
Passados 365 dias da catarse política, quando se tornou irreversível o golpe parlamentar, a verdade sobre certas acusações contra Dilma repetidas à exaustão começam a aparecer. Confira algumas:
Dilma inocentada (mais uma vez) no caso de Pasadena
Auditores do Tribunal de Contas da União voltaram a isentar a ex-presidenta de qualquer “ato de gestão irregular” na compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, realizada em 2006.
Um parecer de 2014 do mesmo tribunal havia inocentado a petista, mas, em suas delações premiadas, Nestor Cerveró, ex-diretor da estatal, e o ex-senador Delcídio do Amaral afirmaram que ela teria chancelado a transação. As declarações não se sustentaram em provas. O TCU manteve, porém, as condenações de José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, e do próprio Cerveró, instados a ressarcir 79 milhões de dólares aos cofres públicos.
No novo parecer, os auditores atestam: “O Conselho de Administração (NR: do qual Dilma fazia parte à época) não deliberou, no mérito, sobre a aquisição dos 50% remanescentes de Pasadena. Assim sendo, não há que se falar em responsabilização de seus membros”.
Não houve obstrução da Justiça, aponta laudo da Polícia Federal
Também com base na delação de Delcídio do Amaral, a PF investigou se a indicação de Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça teria o objetivo de estancar a Lava Jato. Os investigadores concluíram que a nomeação não visava atrapalhar as investigações, como garantira Amaral, e sugeriram ao ministro Edson Fachin, relator da operação no Supremo Tribunal Federal, o arquivamento do inquérito.
O Ministério Público desarquiva o caso que inocentou Dilma nas “pedaladas”
O procurador Ivan Marx havia solicitado em 2016 o arquivamento das denúncias do processo que analisava diversas operações consideradas ilegais: os pagamentos à Caixa Econômica referentes ao programa Bolsa Família, o repasse dos royalties do petróleo, os desembolsos doPlano Safra, direcionado aos agricultores, entre outros.
No caso da CEF, Marx alegou não ter identificado uma operação de crédito, proibida por lei. Havia uma conta corrente entre o Ministério do Desenvolvimento Social e o banco. Quando o saldo era positivo, o ministério recebia. Se negativo, pagava juros à Caixa. Na maior parte do tempo, o MDS recebeu mais juros do que pagou.
No Plano Safra, o procurador constatou que a prática remetia a 1994, igualmente não se configurava uma operação de crédito e não causara dolo ao Erário.
Apesar da sustentação de Marx, a juíza do caso acatou apenas parcialmente o pedido de arquivamento. O procurador entrou com embargos de declaração, utilizados quando uma das partes enxerga conflitos de interpretação ou omissões em uma sentença.
Por causa dos embargos, o caso foi encaminhado para a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público. Depois de um longo período na gaveta, a Câmara decidiu subitamente desarquivar a ação.
O colegiado considerou não ter havido omissão da juíza e redistribuiu o processo para outro procurador, ainda a ser indicado. A movimentação coincide com um questionamento de Marx à recente delação dos executivo da JBS (crimes contra o BNDES teriam sido omitidos).
Uma perícia do Senado do ano passado também havia inocentado Dilma.
Contas no exterior de Lula e Dilma supostamente mantidas pela JBS são "incomprováveis"
O desarquivamento do inquérito das "pedaladas" e sua redistribuição talvez tenha relação com outra decisão do procurador Ivan Marx. Designado para apurar se Lula e Dilma teriam recebido 150 milhões de dólares em propina no exterior, o representante do Ministério Público afirmou ser impossível provar a versão do empresário Joesley Batista. "A versão dele é incomprovável", disse. "Pedimos documentos para comprovar e não veio nada".
Marx acrescentou, ao citar incongruências do depoimento de Batista: "Ele diz que as contas teriam recursos em favor dos ex-presidentes, mas elas estavam no nome do próprio Joesley. Era ele quem operava". Além disso, acrescentou, o dinheiro, supostamente destinado a doações eleitorais, era remetido ao exterior, mas não voltava ao Brasil para alimentar as contribuições de campanha da JBS.
Desemprego nas alturas
Embora tenha caído levemente em relação ao último trimestre móvel deste ano, a taxa de desemprego está 1,2 ponto percentual acima daquela registrada entre maio e julho de 2016. O Brasil possui neste momento 13,3 milhões de desocupados. Ainda segundo o IBGE, em 20% dos lares, nenhum dos integrantes possuía emprego no segundo trimestre deste ano. 
registrado em








Safatle: “Frente de esquerda para quê?”

CARTA CAPITAL
por Sergio Lirio — publicado 03/09/2017 00h43, última modificação 04/09/2017 13h09
O filósofo da USP duvida da realização de eleições em 2018 e afirma que o campo progressista ainda não sabe o que oferecer aos brasileiros
Safatle: a conciliação da Nova República chegou ao fim
Após incursões em sua área de formação, a Filosofia, Vladimir Safatle volta a se concentrar no debate político contemporâneo. O título de seu mais recente livro, “Só mais um esforço”, a ser lançado no início de setembro, é uma referência a uma famosa frase do Marquês de Sade de estímulo aos concidadãos desanimados com os rumos da Revolução Francesa. Há, portanto, no âmago da análise, uma mensagem de esperança em relação ao futuro do Brasil, erguida sobre camadas de críticas agudas aos rumos da esquerda, ao chamado lulismo e à eterna conciliação das elites.
Convidado do “Direto da Redação”, programa de entrevistas do site de CartaCapital transmitido pelo Facebook e pelo YouTube, o professor da USP explicou as teses do livro e respondeu a perguntas dos “sócios” e “sócias” da revista. Safatle duvida da realização de eleições em 2018(“quem deu o golpe não vai correr o risco de perder o poder”) e critica o campo progressista por apostar todas as fichas na incerta disputa eleitoral do próximo ano.
Frente de esquerda para quê?”, indaga a certa altura. Segundo ele, antes de pensar em uma ampla união eleitoral, as lideranças progressistas e os movimentos sociais precisam descobrir o que tem a dizer de novo aos eleitores. 
CartaCapital: Seu novo livro se chama “Só mais um esforço”. Por que escolheu esse título?
Vladimir Safatle: É uma referência a uma famosa frase do Marquês de Sade. Quando ele lançou “Filosofia da Alcova”, havia no interior do livro um panfleto que afirmava: “Franceses, só mais um esforço se quiserem ser republicanos”. Foi uma maneira de dizer aos leitores que, para estarem à altura dos processos de transformação em curso, no caso a Revolução Francesa, seria necessário um pouco mais de fôlego e compreensão. Muitas vezes esses momentos podem parecer complicados, mas tem potencialidades a serem exploradas. Achei interessante e válido de se lembrar neste nosso momento. 
CC: Por quê?
VS: Entendo a leitura melancólica atual, devido ao tipo de catástrofe que vivemos, ao fato de o Estado brasileiro ter rompido todos os vínculos com a democracia formal e de estarmos sob o domínio de uma cleptocracia. Pode estimular a sensação de beco sem saída. Insisto, porém, que essa percepção não deve ser tomada como uma verdade absoluta. Há potencialidades a serem exploradas. Existem condições para alcançarmos um outro momento da nossa história. Mas, para tanto, é preciso entender o que de fato aconteceu. Falta, a meu ver, um esforço da intelectualidade para interpretar esse momento. 
CC: No livro, o senhor se esforça para localizar o Brasil nos fenômenos mundiais. Ou seja, o que acontece aqui não seria um episódio isolado.
VS: Pretendi me contrapor a essa visão de que o Brasil é a maior ilha do mundo, como se todos os processos sociais e históricos fossem endógenos, não houvesse um articulação do País com o que se passa no resto do planeta. Acho bem provável que tenha se desenrolado aqui o último capítulo da história da esquerda do século XX. 
CC: De que maneira?
VS: A esquerda durante o século XX, em especial após a Segunda Guerra, tentou operar no interior dos sistemas de acordo da democracia liberal como uma potência de transformação paulatina, a começar pela construção do Estado de bem-estar social. De uma certa maneira, a esquerda da América Latina também atua nesses limites. No momento em que a socialdemocracia entra em colapso na Europa, seu berço, ela ganha espaço na América Latina. No Brasil, o PT não nasceu como um partido socialdemocrata, mas assim se consolidou com o passar do tempo e durante sua experiência no governo. Portanto, o fracasso recente no País não é só nosso. Representa o fracasso de um modelo da esquerda mundial, que havia se tornado hegemônico no Ocidente a partir da segunda metade do século XX. Como sempre, a América Latina entra de forma retardatária nesse processo, por conta de seus enormes déficits de democracia e participação popular. 
CC: Há condições de se criar uma frente de esquerda para disputar as próximas eleições?
VS: A consolidação das estruturas populares exige uma mudança no jogo político. A esquerda não pode imaginar que irá governar de fato em um horizonte no qual as forças hegemônicas se mobilizam para imobilizá-la. Por que a Nova República foi construída sobre o presidencialismo de coalizão? Por ter sido montada para impedir a esquerda de governar. 
Assista na íntegra a entrevista de Vladimir Safatle:
CC: Se um presidente progressista for eleito em 2018, o que ele precisaria fazer de diferente?
VS: Não acredito em eleições em 2018 (risos). E há várias maneiras de se bloquear um processo minimamente democrático. Temos o exemplo da Bielorrússia, uma disputa na qual todos os “indesejáveis” são excluídos do jogo eleitoral. Acredito que esta será a primeira estratégia adotada por quem está no poder. Se não der certo, existe a possibilidade de modificar completamente o sistema eleitoral. Em resumo: implementar o parlamentarismo. No caso brasileiro, não existe pior saída. Os eleitores já recusaram o parlamentarismo duas vezes em plebiscito. O Parlamento do Brasil, todo mundo sabe, não é o da Alemanha. É uma caixa de ressonância dos piores interesses oligárquicos. Criaram um sistema casuísta para vencer em qualquer circunstância. Se ainda assim não vingar, não descarto uma guinada ainda mais autoritária. Limitar as discussões às eleições do próximo ano paralisou o campo progressista. 
"Não descarto uma guinada mais autoritária no Brasil"
CC: Como?
VS: Volto a uma pergunta anterior. Fala-se em uma frente de esquerda, mas para quê? Não está claro. O que se quer? O objetivo é retomar o que foi feito antes, com um ajuste aqui e outro ali? Ou seria fazer diferente? Mas o quê? Seria bom discutir outros questões mais elementares. O que a esquerda tem hoje a oferecer ao Brasil, a não ser resistências pontuais: dizer não a esta ou àquela reforma? Sem respostas a estes pontos, sua força de mobilização diminui substancialmente. Ninguém vai às ruas apenas para dizer não. Você mobiliza quando é capaz de levar os cidadãos a pensar em uma possibilidade que ainda não se configurou, mas é viável. 
CC: No livro, o senhor reforça suas críticas ao chamado lulismo. Pode explicar sua interpretação do fenômeno?
VS: O lulismo consolidou pela primeira vez um sistema mínimo de seguridade social no País e reconstituiu o capitalismo de Estado. Por um certo tempo, ocorreu um processo de inclusão social considerável, 42 milhões de brasileiros experimentaram essa ascensão. O problema é que havia uma data de validade. Foram vários os entraves. Faltou uma política de combate à desigualdade. Ocorreu, na verdade, uma capitalização dos pobres. Este mecanismo não reduz as diferenças e causa um paradoxo: os mais ricos continuam a ganhar muito e acabam por puxar os preços da economia para cima, encarecendo a vida nas cidades, principalmente nas metrópoles. Isso não aconteceu apenas no Brasil. Luanda, em Angola, padeceu do mesmo efeito. Não à toa, entre 2008 e 2014, o valor dos imóveis em São Paulo triplicou. A consequência é que o ganho dos mais pobres é corroído com o passar o tempo. Chega um momento no qual quem está no poder é obrigado a gerir a paralisia. 
CC: Foi o que aconteceu com Dilma Rousseff, certo?
VS: Sim. O lulismo tinha uma trava. Ele reproduziu em boa medida o populismo getulista, fundado na ideia de que governar é administrar coalizões. Não demonizo o populismo, apenas o analiso aqui. Os liberais valem-se da estratégia de trata-lo não como um conceito descritivo, mas como injúria. Associam o termo à irracionalidade. Não é o meu caso. 
CCDá para imaginar um neolulismo? O senhor acredita nessa possibilidade?
VS: Mais importante é saber se o Lula acredita. Suas participações políticas recentes não estimulam a aposta nessa hipótese. Se querem fazer o mesmo de novo, o melhor seria não insistir nesse debate sobre uma frente de esquerda. Isso demonstra a incapacidade de reorganização do campo progressista sob outras bases. É verdade que o Lula lidera todas as pesquisas. Impressiona-me, porém, que muitos estejam preocupados apenas com o horizonte eleitoral e não gastem energia para criar uma nova hegemonia a partir da força das suas ideias. Insisto: não existe 2018, não vejo a mínima possibilidade de quem deu o golpe abrir mão do poder tão facilmente. Eles não vão embora, não vão aceitar perder. O único modo de combater é consolidar um processo de mobilização. 
CC: O quanto o momento atual é fruto das manifestações de 2013?
VS: Considero 2013 a maior oportunidade perdida pela esquerda. O embate ideológico, que estava recalcado, floresceu. O campo progressista deveria estar à altura do que as ruas pediam naquele momento. 
CC: E o que as ruas pediam?
VS: A começar, uma transformação da experiência política. Ficou evidente a crise da representação. E não só dos partidos. A mídia, os sindicatos, as organizações foram colocados em xeque. E depois, a insatisfação diante da interrupção do processo de ascensão social. Basta lembrar do slogan: “Quero escola padrão Fifa”. Muitos daqueles que experimentaram essa ascensão tiraram os filhos da escola pública e transferiram para uma instituição privada. Durante os anos do PT, 24 milhões de alunos deixaram o sistema público. Também abriram mão do SUS e adquiriram planos de saúde. Por fim, compraram carros. Junte os três gastos. Os ganhos de renda acabaram corroídos por eles. O nível de frustração foi elevadíssimo. Em 2010, 2011, o mundo inteiro celebrava o Brasil. Seríamos a quinta maior economia do planeta, projetava-se. A Copa do Mundo prometia repaginar as nossas metrópoles. E, de repente, começou-se a perceber que nada acontecia mais. 
CC: É a pior frustração.
VS: O conceito vem do Alexis de Tocqueville. As revoluções, dizia, não são feitas pelos mais pobres, mas por quem está em ascensão e se vê frustrado pela interrupção desse processo. Por aqueles que percebem não haver mais futuro. O Brasil de 2013 assistiu à explosão desse tipo de frustração. Era uma grande oportunidade para o campo progressista abraçar essa pauta e romper com certas alianças que sempre a impediram de transformar a realidade. Mas todas as agremiações de esquerda, todas, sem exceção, demonstraram um arcaísmo inacreditável naquele momento. 
CC: A Nova República chegou ao fim?
VS: O PT foi o último fiador do modelo de conciliação da Nova República. Acreditou na perenidade de um sistema de resolução de conflitos políticos minimamente democrático. Que não haveria mais golpes de Estado. Que existia uma ala racional no PSDB. Uma visão, nota-se agora, completamente falha. Não há mais conciliação possível. Essa promessa da Nova República não pode mais se realizar. É preciso saber acionar os extremos. O conflito de classe no Brasil nunca foi assumido enquanto tal. Foram 14 anos de um governo que aplicou o programa clássico de esquerda, socialdemocrata, e nem assim foi tolerado. Não se conseguiu fazer nenhuma discussão séria sobre uma reforma tributária de verdade, para criar um sistema de impostos progressivo, que não onerasse tanto os trabalhadores e os mais pobres. Para não citar outros exemplos. 
"No mundo, a política caminhou para os extremos"
CC: A disputa política nos próximos tempos, tanto no Brasil quanto no mundo, se dará entre os extremos?
VS: O mundo tem confirmado essa hipótese de maneira incontestável. A política caminhou em direção aos extremos. O eixo de mobilização foi para as pontas. Alguém pode dizer que a França conseguiu reconstituir o centro com a eleição do Emmanuel Macron, mas foi graças ao extremo, a Marine Le Pen, que se projetava como uma sombra. O problema está no fato de a extrema-direita, atualmente, ter se tornado esse eixo mobilizador. A esquerda ainda não conseguiu se reorganizar.









Lula continuará sem um julgamento justo?

por Rodrigo Martins — publicado 02/09/2017 00h30, última modificação 05/09/2017 19h33
Geoffrey Robertson, defensor do ex-presidente na ONU, lança dúvidas sobre a imparcialidade da Corte que julgará a sua apelação no Brasil

"Não há nenhuma evidência nos 964 parágrafos da sentença (de Moro) capaz de incriminar Lula"
Em visita ao Brasil, o advogado australiano Geoffrey Robertson, que representa Lula no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, lançou dúvidas sobre a isenção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que julgará a apelação do ex-presidente no caso do tríplex do Guarujá.
Logo após o juiz Sergio Moro condenar o petista a 9 anos e seis de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, presidente do TRF4, classificou, em recente entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, a sentença da primeira instância como “irrepreensível” e “irretocável”.
“O comportamento do desembargador Thompson Flores não apenas prejudica a chance de um julgamento justo, como mancha a imagem do Brasil no mundo jurídico”, afirma o advogado, referência mundial na área de direitos humanos. “É vergonhoso. Em qualquer outro país, um magistrado que fizesse isso seria demitido ou pelo menos desqualificado para participar de qualquer procedimento no caso.”
Robertson, que já advogou para Julian Assange, fundador do Wikileaks, e para o escritor indiano Salman Rushdie, também não poupa críticas a Moro, que conduziu o processo de Lula na primeira instância. “Ele ama publicidade, e isso é algo perigoso para um juiz”, afirmou, em entrevista a CartaCapital concedida na sexta-feira 1º, em São Paulo.
CartaCapital: Em recente entrevista, o presidente do TRF4 classificou como “irretocável” a sentença que condenou Lula no caso do tríplex. O senhor acredita que o ex-presidente terá um julgamento justo na Corte?Geoffrey Robertson: O comportamento do desembargador Thompson Flores não apenas prejudica a chance de um julgamento justo, como mancha a imagem do Brasil no mundo jurídico. Não se pode confiar na imparcialidade dessa turma de julgadores quando o presidente da Corte de apelação já declarou que a decisão do juiz Moro é impecável. É vergonhoso. Em qualquer outro país, um magistrado que fizesse isso seria demitido ou pelo menos seria desqualificado para participar de qualquer procedimento no caso.
 CC: A apelação será apreciada, porém, por outros desembargadores, que integram a 8ª Turma do TRF4.GR: O problema é que Thompson Flores preside o tribunal de segunda instância. Portanto, aquilo que ele pensa e diz supostamente influencia os demais julgadores. Talvez eles sejam fortes e independentes o suficiente para fazer Justiça, fazer o que é correto. Na minha visão, existe uma falha fatal na decisão do juiz Moro. Não há nenhuma evidência nos 964 parágrafos da sentença capaz de incriminar o ex-presidente Lula. E eu li todo o texto da decisão, o que muitos ainda não fizeram.
CC: O próprio desembargador Thompson Flores admitiu, nessa mesma entrevista, que não leu os autos do processo.GR: Eu sei, e é isso que torna essa declaração ainda mais irresponsável. Mas eu espero que haja, nesse tribunal de segunda instância, juízes sem medo de praticar Justiça, especialmente porque não há evidência alguma de que Lula tenha praticado ato de corrupção. Não há nenhuma evidência de ele tenha feito algo como contrapartida para a OAS em troca das reformas. Não se pode falar em propina quando não há algum tipo de contraprestação pelo presente recebido.
CC: A defesa diz que sequer o apartamento pertence a Lula.GR: É um ponto interessante. Se, de fato, o apartamento não pertence a Lula, sequer deveria haver um processo judicial. A única evidência é que o ex-presidente fez uma visita ao imóvel, uma única visita em todos esses anos. Temos a comprovação do fato de que jamais houve registro de propriedade em nome de Lula. Ao contrário, há registros que provam que a propriedade desse apartamento é da OAS.
Geoffrey Robertson 2
'Moro ama publicidade! E isso é algo perigoso para um juiz'
A única evidência em contrário provém de dois criminosos condenados, a quem o juiz Moro concedeu o benefício de redução de 80% da pena por oferecerem depoimentos contra Lula (Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora, e Agenor Medeiros, ex-diretor da área de petróleo e gás da empresa, tiveram as penas em regime fechado abreviadas). Como se pode acreditar em condenados, cuja única esperança de sair da cadeia é mentir sobre Lula?

CC: Como o senhor avalia a condução do processo na primeira instância, pelo juiz Moro?GR: O julgamento foi uma farsa. Foi conduzido diante de um juiz enviesado, que já tinha tomado várias decisões contra Lula na fase investigativa, que tinha divulgado grampos telefônicos dele e de sua família, ilegalmente, que tinha demonizado ele com uma prisão ilegal. Outro dia ele foi ver um filme sobre as ações dele... (nesse momento, o advogado levanta a capa de um jornal, a estampar a foto de Moro na estreia do filme “Polícia Federal: a lei é para todos” em Curitiba). Ele ama publicidade! E isso é algo perigoso para um juiz.
CC: Esse comportamento seria aceito de um juiz europeu?GR: Não na Europa, não na Inglaterra, não em Portugal. Um juiz não deve ajudar a demonizar as pessoas que julgam. Moro pode ser excelente para mover campanhas (publicitárias) contra a corrupção, mas esse comportamento não pode ser aceito por um magistrado. Isso viola todas as convenções internacionais.
CC: No Brasil, o juiz que cuida da instrução do processo, da fase de investigação, é o mesmo que irá julgar o caso.GR: É verdade, e isso é ruim, viola os direitos humanos. Talvez isso não faça diferença em alguns casos, como quando o réu confessa o crime, por exemplo. Nos casos em que o mérito está em discussão, é fundamental ter um juiz imparcial para julgar.
CC: Na prática, que tipo de sanções a ONU pode impor ao Brasil se entender que Lula não teve um julgamento justo?GR: Pode recomendar ao País a retificação de suas leis. O Brasil precisa modificar a legislação, de forma a garantir que o juiz responsável pela instrução não participe do julgamento. Se não acatar a decisão, perderá o respeito do mundo jurídico. O Brasil pode se ver cada vez mais isolado, com prejuízos ao comércio e para os próprios juristas brasileiros, que não seriam mais respeitados pela comunidade jurídica internacional.
CC: Caso a sentença de Lula seja confirmada pela segunda instância, ele não poderá concorrer à Presidência. Esse componente eleitoral pode influenciar o julgamento?GR: Quem sou eu para dizer? Muitos sustentam que esse seria o motivo da condenação, bem como a razão de se acelerar o julgamento dos recursos (apresentados pela defesa). Se o Brasil quer assegurar a Justiça, o ideal seria transferir a decisão para o Supremo Tribunal Federal. Seria uma forma de escapar da parcialidade da segunda instância, evidenciada pelas manifestações de Thompson Flores.
Deve-se ao Brasil um julgamento imparcial do ex-presidente Lula. Seria muito difícil isso ocorrer no TRF4, porque o seu presidente já explicitou as suas visões sobre o caso antes do julgamento. Então, sobra apenas o STF. Ou talvez fosse melhor submeter essa decisão a uma Corte internacional, com juristas renomados, para garantir algum resultado objetivo.
 
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Palocci fala em "pacto de sangue" de Lula com a Odebrecht

CARTA CAPITAL

por Redação — publicado 06/09/2017 18h49, última modificação 06/09/2017 19h48
Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, o ex-ministro cita o ex-presidente em esquema da Petrobras e da construtora
Em depoimento a Sergio Moro nesta quarta-feira 6, o ex-ministro Antonio Palocci confirmou as acusações contra o ex-presidente Lula em relação a um esquema de propinas envolvendo a compra de um terreno em São Bernardo.
Ele afirmou que Lula fez um "pacto de sangue" com Emílio Odebrecht para ser beneficiado com "um pacote de propinas", que envolveria um fundo de 300 milhões de reais para "atividades políticas" do ex-presidente. Segundo o ex-ministro, o terreno em São Bernardo é parte deste pacote.
A ação conduzida por Moro trata da compra de um terreno onde seria construída a nova sede do Instituto Lula, em São Paulo, e de um imóvel vizinho ao apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo. Segundo o Ministério Público Federal, a Odebrecht pagou 12,4 milhões pelo terreno, mas a obra não foi executada. De acordo com a acusação, Lula teria recebido como vantagem indevida uma cobertura vizinha à residência onde mora.
Palocci narra que, após a eleição de Dilma Rousseff, Emílio Odebrecht procurou Lula, pois o empresário dizia estar "em pânico" com a eleição da sucessora do ex-presidente. Ainda segundo o ex-ministro, a apreensão se devia a rusgas entre a empreiteira e a petista, quando esta era chefe da Casa Civil. Em episódio citado por Palocci, Dilma atuou para a Odebrecht não comandar o conjunto de obras das usinas de Santo Antonio e Jirau. 
O ex-ministro relata ter havido uma reunião entre Emílio e Lula para tratar do pacote de propinas, mas nega ter estado presente. Segundo ele, o relato é do próprio ex-presidente. "Foi nesse momento (eleição de Dilma) que o dr. Emilio Odebrecht fez uma espécie de pacto de sangue com o presidente Lula. Ele procurou o presidente Lula nos últimos dias do seu mandato e levou um pacote de propinas que envolvia esse terreno do instituto, o sítio pra uso da família e também que tinha à disposição 300 milhões de reais”

Segundo Palocci, Lula chamou o ex-ministro para um encontro no Palácio da Alvorada para avisá-lo da reunião com Emílio, supostamente ocorrida no dia anterior. Segundo Palocci, o próprio Lula ficou surpreso com o valor oferecido e teria dito que Odebrecht só propôs o pacote "porque tinha muito receio" da Dilma. De acordo o ex-ministro, Lula pediu a Palocci para tratar diretamente do tema com a Odebrecht.

Palocci narra então que se encontrou com Marcelo Odebrecht, filho de Emílio, para questioná-lo sobre o pacote de propinas. Segundo o ex-ministro, Marcelo alegou que seu pai achava importante "estabelecer de forma clara a relação, não mais no fio do bigode, mas uma relação mais explícita". 

Marcelo teria afirmado que seu pai se enganou sobre o valor. Seriam 150 milhões de reais provisionados a Lula, e não 300 milhões. Palocci teria então sugerido ao ex-presidente "esquecer dessa história de conta corrente". Lula teria desconversado.

Dias depois, narra Palocci, Emílio encontrou-se em uma reunião com Lula e Dilma. O ex-presidente teria pedido a sua sucessora que "preservasse" a relação do governo com a Odebrecht. Palocci disse que também não estava presente nessa reunião.

Em novo encontro, Lula teria afirmado a Palocci que Emílio confirmou "os 300 milhões" ao ex-presidente e falou " que pode ser mais, se necessário". Segundo o ex-ministro, a empresa não pediu contrapartidas específicas naquele momento pelo suposto provisionamento de propinas a Lula.  

Defesa de Lula

Em nota enviada pelo advogado do petista, Cristiano Zanin Martins diz que o depoimento é "contraditório" e repleto de "frases de efeito", com o objetivo de obter um bom acordo de delação premiada. 

"O depoimento de Palocci é contraditório com outros depoimentos de testemunhas, réus, delatores da Odebrecht e com as provas apresentadas. Preso e sob pressão, Palocci negocia com o MP acordo de delação que exige que se justifiquem acusações falsas e sem provas contra Lula", afirma.

A nota também compara o depoimento de Palocci ao do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, e Delcídio do Amaral, ao tentar validar "sem provas, as acusações do MP para obter redução da pena".

"Palocci compareceu ato pronto para emitir frases e expressões de efeito, como pacto de sangue', esta última anotada em papéis por ele usados na audiência. Após cumprirem este papel, delações informais de Delcídio e Léo Pinheiro foram desacreditadas, inclusive pelo MP", critica.