FOLHA DE SÃO PAULO –
OPINIÃO – 29/10/2014
RUY CASTRO
Leviana
RIO DE JANEIRO - No segundo debate pela sucessão
presidencial, o do SBT, Aécio Neves chamou Dilma Rousseff de
"leviana". Referia-se, naturalmente, à maneira airosa, volátil e
inconsistente (vide "Aurélio" e "Houaiss") com que a
candidata manipulava os dados da economia. Ao ouvir aquilo, Dilma não ficou
estarrecida. Na verdade, nem acusou recebimento. Mas Lula indignou-se. Bradou
que não era coisa que se dissesse de uma mulher de mais de 60 anos, mãe e avó.
A princípio, atribuiu-se a reação de Lula à
criatividade do ex-presidente, craque em submeter as palavras a tantos
contorcionismos semânticos quanto as conveniências exigirem. Não era para
tanto, pensou-se. Muito menos para que, a partir dali, se pintasse o adversário
como um homem que não respeitava as mulheres. Mas, embora os dicionários não o
registrem, alega-se agora que, em algumas regiões do Nordeste,
"leviana" significa "mulher da vida". Donde, sem saber,
Aécio Neves terá cometido suicídio linguístico.
Foi a vingança de Lula a uma acusação que sempre
lhe fizeram: a de ser, quando muito, monolíngue. Opinião de que nunca
compartilhei porque Lula é mestre em, pelo menos, duas línguas: a de uso
corrente e a que lhe convém. O difícil é saber qual delas ele está falando.
É possível que o uso leviano de "leviana"
não tenha tirado muitos votos de Aécio Neves --já estavam perdidos do mesmo
jeito. Mas ficou claro que, nas próximas eleições, não será suficiente
contratar um marqueteiro. Será preciso convocar também um linguista, para
repassar com o candidato os pontos principais de sua argumentação e
certificar-se de que nenhuma palavra se constituirá numa involuntária gafe
regionalista, passível de exploração política.
Evidente que as mentiras, as ameaças e os golpes
baixos, desde que bem urdidos e propositais, continuarão valendo.
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