terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Gilberto Maringoni: A direita perplexa e a esquerda indignada



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Postado em 23 dez 2014
EM:  DCM – Diário do Centro do Mundo

No que ela estará pensando?

Por mais que examine, não consigo encontrar na história do Brasil o caso de um governo recém-eleito suscitar um clima de fim de feira na sociedade. Ao contrário. Uma nova gestão desperta sempre um rosário de esperanças. Pode ser ilusório, mas tem sido quase uma regra.
Há poucas expectativas positivas para o Brasil de 2015. O próprio palácio do Planalto parece incentivar tais visões, para justificar a adoção de medidas duras e impopulares.
A impressão geral é que vão começar os últimos quatro anos de uma administração que conseguiu a proeza de queimar parcela significativa de seu capital político – obtido em uma campanha acirrada e politizada – em dois meses.
O segundo mandato de FHC provocou sensação semelhante, no início de 1999. Mas isso se deu após a posse. Como os mais velhos se lembram, em janeiro daquele ano, o real, cotado em R$ 1,20 e mantido artificialmente valorizado para possibilitar a vitória tucana, chegou a R$ 3,20, em meio a uma aguda crise cambial.
Dilma, por sua vez, pouco sensível a diversos matizes da esquerda que possibilitaram sua vitória, apressou-se, três dias após o segundo turno, em emitir um sinal para o mercado financeiro. A materialização se deu através de uma elevação de 0,25% na taxa básica de juros. Um mês e meio depois, a diretriz foi reafirmada com nova escalada de 0,5%.
O MANTRA DA CREDIBILIDADE
A partir da vitória, a fieira de acontecimentos é mais do que conhecida. Em busca de um mantra apelidado de “credibilidade”, a presidente chamou um executivo do mercado financeiro para a Fazenda, a líder do agronegócio – suspeita de valer-se de trabalho escravo – para a Agricultura , um industrial acusado de superexplorar trabalhadores para o Desenvolvimento e um folclórico ex-governador para a vicepresidência do Banco do Brasil. Outro ex-mandatário estadual – que entrou na Justiça contra o piso salarial dos professores – pode ir para a Educação.
No meio disso, promessas de ajuste fiscal duro, contração nas contas públicas, continuidade na política altista dos juros e a disseminação das dificuldades para o próximo ano.
Nada disso foi dito durante a campanha. Ao contrário.
Ao longo da disputa, as baterias oficiais partiram para o confronto com Marina Silva. A postulante do PSB planejava a independência do Banco Central. Foi acusada de querer tirar a comida da mesa dos brasileiros. Em seguida, a presidente tuitou que os tucanos plantavam dificuldades para colher juros altos. Denunciou Armínio Fraga, por este difundir o plano de reduzir repasses do tesouro para bancos públicos.
DESENVOLVIMENTISMO ELEITORAL
Pessoas podem mudar de opinião, de acordo com as transformações de seu entorno. Nada demais aí.
Mas mudanças bruscas, em se tratando de figuras públicas, confundem e tendem a revoltar setores importantes da sociedade.
Marina e Aécio foram derrotados por explicitar o que fariam. Marina foi literalmente massacrada por suas ligações com uma herdeira minoritária do Banco Itaú.
Dilma está fazendo exatamente o que acusou seus oponentes de perpetrar, caso fossem eleitos.
Ou seja, se os dois candidatos à direita pecaram por sinceridade, Dilma chegou lá pedalando um rosário de inverdades.
Algo como Collor de Mello que, na campanha de 1989, acusou Lula de querer confiscar a poupança dos brasileiros. Em palácio, apressou-se em baixar exatamente esta medida.
CONDUTA DESEDUCATIVA
Com tal comportamento, Dilma e o PT prestam um desserviço à democracia.
Uma das indicações das manifestações de junho de 2013 foi a perda de legitimidade da institucionalidade. Políticos são vulgarmente conhecidos por dizerem uma coisa e agirem de maneira diversa. A candidata eleita está cumprindo o figurino à risca.
O sentimento antipolítica que tomou conta das ruas abriu espaço, um ano e meio depois, para os que desejam uma solução de força ou uma amalucada intervenção militar para dar jeito no país.
Falar uma coisa em campanha e fazer outra no poder não ajuda muito a aprimorar nossos costumes políticos.
CONQUISTAS REAIS
Não vale a pena cair na argumentação rasa de que tudo isso seria necessário para preservar 12 anos de conquistas sociais.
Várias das conquistas – que são reais – poderiam ser preservadas se fossem constitucionalizadas. Bolsa-família e outros programas poderiam ter se tornado uma Consolidação das Leis Sociais, algo aventado em 2008, a exemplo da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovadas por Getulio Vargas, em 1943.
PROBLEMA DE ORIGEM
Há um problema de origem na nova gestão.
Não se trata do fato de Dilma ter obtido sua vitória com menos de 3% de vantagem.
Mesmo que tivesse ganhado por um voto, estaria legitimamente eleita. Jogo democrático é assim. Leva quem tem mais sufrágios.
Seu vício de origem é que parte significativa de sua base social, o proletariado urbano, se dividiu. Metade votou nela e metade em Aécio.
A tarefa de qualquer líder com um pouco de política na cabeça seria recompor sua base. Anunciar ações de impacto para atrair de volta os que se afastaram.
Dilma faz o contrário. Já que falamos do senador alagoano, voltemos ao personagem. Ela parece ter adotado um dos slogans de Collor, com sinal trocado. O ex-presidente dizia em 1989 que deixaria a direita indignada e a esquerda perplexa. A mandatária deixa a esquerda indignada e a direita perplexa.
ECONOMIA DESARRANJADA?
Durante a campanha, a mídia, o capital financeiro e a direita em geral – parte dela dentro da coalizão governista – alardearam que o país estaria a beira do caos no terreno econômico. Que as contas estariam desarranjadas, que a inflação estaria fora de controle e que não conseguiríamos fechar o ano.
Por trás de tudo estaria um insondável intervencionismo da presidente na economia. O PT parece ter comprado esse peixe.
Afinal, o que há de tão errado na economia brasileira?
A inflação ficou o ano todo dentro da meta. Em nenhum mês saiu do controle.
A dívida bruta do setor público está em 60% do PIB. A líquida, em 36%.
O desemprego está em 5%, uma situação de virtual pleno emprego.
Cadê o desarranjo?
Isso não quer dizer que não existam problemas. O ponto é que a economia não cresce. Não crescemos e a indústria perde fôlego e espaço relativo na composição do PIB. Mas não é o problema em si. É a materialização de outras disfunções sérias.
PIB MEDÍOCRE
Nosso câmbio segue sobrevalorizado – o que provoca déficits crescentes na balança comercial – e o preço do dinheiro é muito alto. Por trás de tudo está uma taxa de juros inacreditável.
Os juros são nosso principal problema. Graças às taxas mais altas do mundo, o câmbio se sobrevaloriza, nossos produtos perdem competitividade, a balança comercial torna-se deficitária, o custo de nossa dívida pública atinge a estratosfera e há um contínuo dreno de recursos públicos para bolsos privados. Se nossa dívida é baixa (estoque), seu financiamento não é (fluxo). O problema dos débitos está nos juros.
Essa situação estrangula a economia. E o problema a ser atacado é justamente aquele que o governo quer incentivar: a alta dos juros.
Sem baixar significativamente as taxas – e isso implica enfrentar interesses poderosos – tudo o mais será perfumaria.
AGRADOS E DESAGRADOS
Dilma busca desesperadamente agradar os que queriam sua derrota e acaba por desagradar os que possibilitaram sua reeleição.
Pode ser algo pouco perceptível agora, mas isso tende a alargar seu pecado original, a divisão da base. Tende a levar ao desalento os que foram às ruas nos últimos dez dias de campanha e acreditaram na possibilidade de o governo ir um pouco à esquerda Nada a ver com revolução, mas com uma pitada de desenvolvimentismo.
A combinação desses fatores pode também gerar turbulências e instabilidades em um governo que não tem aliados confiáveis, que se vê às voltas com um megaescândalo de corrupção e que enfrenta uma oposição cuja sanha golpista fica cada dia mais clara.
Não contente com os problemas da conjuntura, Dilma resolve criar novos a cada semana.
Talvez ela saiba o que faz.
Este limitado redator não entendeu nada.
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Gilberto Maringoni
Sobre o Autor

Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFABC e candidato do PSOL ao governo de São Paulo, em 2014

Petrobras: “Venina Veneno” falou o que livro já denunciava há 9 anos


Petrobras: “Venina Veneno” falou o que livro já denunciava há 9 anos
Por Claudio Tognolli | Claudio Tognolli – seg, 22 de dez de 2014





Venina Velosa em entrevista ao FantásticoTodo mundo viu no Fantástico o depoimento da ex-gerente executiva da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, Venina Velosa da Fonseca. Não causa espanto o que nossa “Venina Veneno” denunciou. Causa espanto que toda a fala dela tenha sido apenas uma farsa:  a repetir uma tragédia que muita gente já denunciou. Começando com o jornalista Ivo Patarra.
Filho do finado gênio diretor da revista Realidade, Paulo Patarra, Ivo lançou há 9 anos o seu livro “O Chefe”—em que apontava as conexões diretas de Lula com o Mensalão. Ivo conhece o PT por dentro: foi assessor da ex-prefeita petista de São Paulo, Luiza Erundina.
O livro começa com uma frase, solarmente feliz, de Frei Betto, ex-fiel escudeiro do lulismo:
““Nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como esse núcleo petista fez em tão pouco tempo. Na ditadura, apesar de todo sofrimento, perseguições, prisões, assassinatos, saímos de cabeça erguida e certos de que tínhamos contribuído para a redemocratização do país. Agora, não. Esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira
Ivo Patarra ele mesmo autorizou a inserção da obra on line, gratuitamente, pelo Creative Commons.
Pois bem: este blog separou trechos do livro de Ivo Patarra, extraídos do Capítulo intitulado “TCU recomendou paralisar obras irregulares; Petrobras foi campeã em aumento de custos”
No final do capítulo, há uma didática frase do ex-presidente Lula, que elogia os “bons pizzaiolos” que ele meteu goela da Petrobras abaixo:
“Dois meses antes do início dos trabalhos da CPI da Petrobras, Lula já dava uma dica sobre como trabalhava a comissão de inquérito. O presidente estava ao lado de José Sarney, durante um evento em homenagem ao ministro e ex-presidente do TCU, Marcos Vilaça. Lula voltou-se a Vilaça:
- Hoje você é ministro e eu sou presidente. Mas, daqui a um ano e meio, eu não sou mais presidente e vamos estar tomando uma água de coco com uma pituzinha lá em Pernambuco, sem prestar contas à imprensa, sem prestar contas a nenhuma CPI da Câmara ou do Senado, apenas prestando contas ao que nós vamos fazer no futuro.
Logo após a instalação da CPI, Lula voltaria a se manifestar:
- O Senado só tem gente experiente. Você acha que tem algum bobo no Senado? O bobo é quem não foi eleito. Os espertos estão todos eleitos.
Perguntado se os senadores fariam a CPI acabar em pizza, Lula vaticinou:
-      Todos eles são bons pizzaiolos”.
Veja os trechos escritos por Patarra em 2006. Quem leu e tem poder, nada fez sobre isso…
"O TCU (Tribunal de Contas da União) elaborou relatório de fiscalização com indícios de graves irregularidades em 63 obras do Governo Federal, a ponto de recomendar, em setembro de 2009, a paralisação de 41 empreendimentos da administração Lula. Entre os casos mais graves, a Petrobras. Na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cujos serviços àquela altura estavam estimados em R$ 4 bilhões, técnicos do TCU detectaram sobrepreços e critérios de medição inadequados. Na reforma da refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná, com obras orçadas num total de R$ 2,5 bilhões, também teria havido a prática de sobrepreço….
Algumas obras sofreram aumentos de custos expressivos, o que alertou o TCU. Cinco delas a cargo da Petrobras: o gasoduto Urucu-Coari-Manaus subiu de R$ 2,4 bilhões, no início das obras, em 2006, para R$ 4,5 bilhões, em março de 2009. Justificativa da Petrobras: a estatal resolvera implementar “tecnologia inédita” no País. O gasoduto Cacimbas-Catu, entre o Espírito Santo e a Bahia, teve os custos elevados de R$ 2,9 bilhões para R$ 3,5 bilhões. Segundo o TCU, havia contratos firmados sem licitação e o superfaturamento nos serviços de aplicação de asfalto alcançara 2.400%. Trabalhos de escavação em 183 quilômetros da obra foram acordados em R$ 1,6 milhão, enquanto o mesmo serviço em outro trecho, de 171 quilômetros, recebeu orçamento de R$ 10 milhões….
As plataformas marítimas P-52 (campo Roncador) e P-53 (campo Marlim Leste) sofreram reajustes, respectivamente, de R$ 3,2 bilhões para R$ 3,5 bilhões, e de R$ 2,9 bilhões para R$ 3,9 bilhões. Integrava a lista a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, cujas obras tiveram aumento de R$ 18,7 bilhões para R$ 19,2 bilhões.
Os custos aumentam com termos aditivos que passam a ser incorporados aos contratos iniciais. Eles alteram projetos básicos, multiplicam valores de obras e introduzem novos serviços. A plataforma P-56, cujo destino era a bacia de Campos (RJ), é outro exemplo. A sua construção subiu de R$ 2 bilhões para R$ 2,4 bilhões. A refinaria de Duque de Caixas, no Rio de Janeiro, teve 24 anexos ao contrato original. Os aditivos previam pagamentos por serviços não estabelecidos anteriormente e até reajuste salarial aos operários. Naquela obra teria ocorrido direcionamento de contratos….

De 2007 a 2009, a construção da eclusa de Tucuruí (PA) foi reajustada de R$ 548 milhões para R$ 815 milhões, um aumento de quase 50%. Chamaram a atenção do TCU os custos da via perimetral (margem direita) do porto de Santos (SP), que praticamente dobrou de preço, de R$ 55 milhões para R$ 107 milhões. Os seguintes reajustes em obras do setor de transportes causaram estranhamento: arco rodoviário do Rio de Janeiro, de R$ 756 milhões para R$ 1,1 bilhão; BR-101, em Pernambuco, de R$ 715 milhões para R$ 818 milhões; BR-101, no Rio Grande do Norte, de R$ 281 milhões para R$ 374 milhões; e a ferrovia Transnordestina, de R$ 4,5 bilhões para R$ 5,4 bilhões. Em julho de 2009, o TCU havia determinado a redução de R$ 120 milhões no contrato firmado entre a Eletronuclear e a construtora Andrade Gutierrez, para construir a usina nuclear de Angra 3 (RJ). Haveria sobrepreço nos serviços.
Como o Brasil é grande, antes do exame de mais problemas registrados na área da Petrobras, a paciência do leitor é preciosa para uma lista de outras 27 obras suspeitas de irregularidades, de acordo com o mesmo relatório do TCU. Em ordem de grandeza: construção do trecho rodoviário do corredor Leste, no Espírito Santo, com serviços orçados em R$ 95 milhões; obras do contorno rodoviário de Foz do Iguaçu (PR), de R$ 74,7 milhões; complexo viário Baquirivu-Guarulhos (SP), R$ 69,8 milhões; construção de trecho do corredor rodoviário da fronteira norte, em Roraima, R$ 15,6 milhões; restauração de rodovias federais no Espírito Santo, R$ 11,4 milhões; acesso rodoviário no corredor Leste, no Espírito Santo, R$ 10,7 milhões; construção de trechos rodoviários na BR-393 (ES), R$ 9,7 milhões; distrito industrial de Manaus, de R$ 1,2 milhão; e obra na BR-010, a Tocantins-Maranhão, R$ 1 milhão.
Agora, obras de drenagem e de construção de barragens: adutora Italuís, no Maranhão, com custo estimado em R$ 299 milhões; adutora de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, R$ 131 milhões; adutora de Serra da Batateira, na Bahia, R$ 67,7 milhões; construção da barragem de Rangel, no Piauí, R$ 53,8 milhões; drenagem do Tabuleiro dos Martins, em Maceió, R$ 53,6 milhões; obras de saneamento na região do rio Paraibuna, em Minas Geais, R$ 35 milhões; construção do sistema adutor do sudeste do Piauí, R$ 34,5 milhões; obras de controle de enchentes no rio Poty, no Piauí, R$ 25,2 milhões; e construção da barragem de Congonhas, em Minas Gerais, R$ 500 mil.
Por fim, as últimas oito obras com suspeitas de irregularidades, acompanhadas, como em todos os casos, de seus custos totais: construção dos terminais de granéis do porto de Barra do Riacho, no Espírito Santo, no valor de R$ 347 milhões; expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, no Maranhão, R$ 242 milhões; construção da fábrica de hemoderivados de Pernambuco, R$ 136 milhões; construção da linha 3 do Metrô, no Rio de Janeiro, R$ 65 milhões; construção da sede do Tribunal Regional Federal, no Distrito Federal, R$ 19,7 milhões; construção do porto de Camargo, em Campo Mourão (PR), R$ 10,1 milhões; construção da Escola Agrotécnica de Nova Andradina (MS), R$ 1,5 milhão; e reforma do campus da Universidade de Pelotas (RS), R$ 1,3 milhão.
A Petrobras é um caso aparte. Maior empresa nacional, faturou R$ 240 bilhões em 2008 e respondia, no final do segundo governo Lula, por mais de 90% dos investimentos das estatais brasileiras. Suas 21 subsidiárias aplicavam R$ 60 bilhões por ano. Desde a posse de Lula, em janeiro de 2003, até abril de 2009, a empresa firmou contratos de prestação de serviços no valor de R$ 129 bilhões, sendo R$ 47 bilhões, mais de um terço do total, sem licitação.
De suas 80 diretorias, gerências e assessorias importantes, 21 foram ocupadas por indicações políticas, a saber: 17 do PT, duas do PMDB e duas do PP. Vale destacar a Braspetro, distribuidora de combustíveis, nas mãos do ex-senador tucano Sérgio Machado (CE), apadrinhado do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), e o próprio presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli (PT-BA), ligado ao governador da Bahia, Jaques Wagner (PT).

Uma das contratadas pela Petrobras para tocar as obras em Abreu e Lima, citada pela Polícia Federal, era a EIT (Empresa Industrial Técnica). Ela apareceria como suspeita de efetuar pagamentos indevidos ao grupo do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
As atividades de Fernando Sarney foram investigadas pela Polícia Federal e justificarão a devida atenção do leitor, conforme veremos nos próximos capítulos. Em todo o caso, cabe registrar as suspeitas dos federais sobre as ligações entre o filho de José Sarney e Silas Rondeau, ex-ministro de Minas e Energia, afastado do governo Lula no bojo de um caso de corrupção, como já vimos. Mas Silas Rondeau continuaria agindo na gestão do PT. Utilizaria sua influência na Petrobras, da qual era integrante do Conselho de Administração, para beneficiar os negócios do grupo de Fernando Sarney.
Silas Rondeau faria uso de uma consultoria para “mascarar” o recebimento de dinheiro de empresas do setor de energia. Ele figuraria como sócio oculto da RV2, que assinara, por exemplo, contrato de R$ 195 mil com a Multiner, empresa com atuação na construção de usinas eólicas. A Multiner também controlaria a termelétrica de Cristiano Rocha, em Manaus, que recebera financiamento de R$ 27,7 milhões da Petros, o fundo de pensão da Petrobras.
Oito meses após deflagrar a Operação Castelo de Areia, a Polícia Federal concluiu uma nova fase de investigações sobre as atividades da Camargo Corrêa. O delegado Otavio Margornari Russo apontou obras suspeitas de superfaturamento e indícios de doações ilegais a cerca de 200 políticos.
Na Petrobras, José Carlos Espinoza teria a função, conforme explicou, de fazer a interlocução com os movimentos sociais. Ao esclarecer o que fazia, citou dirigentes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar. Nas palavras de José Carlos Espinoza:
- Por conta exatamente do meio de campo que foi pedido para eu fazer entre os movimentos sociais e a Petrobras. Conheço o José Rainha, o presidente da Contag, o pessoal da Fetraef.
O TCU examinou o destino das aplicações da Petrobras em programas e obras sociais. Eram convênios ou contratos firmados por dispensa de licitação que movimentaram R$ 209 milhões entre 2003 e meados de 2009. A maior parte do dinheiro vinha do chamado FIA (Fundo da Infância e Adolescência) e beneficiou o PT e os partidos da base aliada do presidente Lula. De dezembro de 2008 a maio de 2009, por exemplo, de R$ 38,6 milhões provenientes de 157 repasses, 54% dos recursos irrigaram administrações do PT. Os 46% restantes foram divididos por 16 partidos. Se considerarmos o PMDB, os dois principais partidos da base aliada, PT e PMDB, embolsaram 67% da verba.
Levantamento do TCU identificou repasses da Petrobras, no valor de R$ 15 milhões, para a CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT) alfabetizar 140 mil trabalhadores entre 2004 e 2005, ainda no primeiro mandato de Lula.
Durante os dois mandatos de Lula, três empresas foram contratadas 268 vezes pela Petrobras. Juntas, R.A. Brandão Produções Artísticas, Guanumbi Promoções e Eventos e Sibemol Promoções e Eventos, esta última registrada em endereço onde funcionava um canil, no Rio, faturaram R$ 11,6 milhões, em contratos sem licitação. Raphael de Almeida Brandão era sócio das três. Outra coincidência: a responsabilidade pelas contratações estava a cargo do gerente de comunicação de Abastecimento da Petrobras, Geovane de Morais, oriundo do movimento sindical de químicos e petroleiros da Bahia, como, aliás, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, o seu assessor especial, Rosemberg Pinto, e o próprio governador do Estado, Jaques Wagner.
Um caso palpitante pôs a ANP na berlinda: o pagamento de R$ 178 milhões, supostamente ilegal, a sindicatos de produtores de álcool de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. O episódio teve a participação do diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, uma liderança do PC do B. O acerto para quitar subsídios que seriam devidos aos usineiros teria sido lesivo aos cofres públicos, pois o valor, muito alto, foi pago em dinheiro, evitando o procedimento padrão de mandar os credores à fila dos precatórios. Além de Haroldo Lima, teriam participado da negociação o deputado José Mentor (PT-SP) e um amigo, o lobista Paulo Afonso Braga Ricardo, que ficaria com comissão de 30% do total, ou seja, quase R$ 50 milhões. O lobista disporia de empresa offshore e teria uma ex-empregada doméstica de “sócia”.
Havia ainda indícios de fraudes em licitações para reformar plataformas marítimas, no valor de R$ 200 milhões, conforme investigação da Polícia Federal na Operação Águas Profundas, realizada em 2007. O TCU também apontara possíveis irregularidades em contratos para construir plataformas. Com base no trabalho dos federais, o Ministério Público denunciou 26 pessoas por formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, fraude em licitação e falsificação de documentos, incluindo diretores da Iesa Óleo e Gás.
Apesar da ação criminal contra dirigentes da empresa, a Petrobras assinou um contrato com a Iesa Óleo e Gás no ano seguinte, no valor de R$ 190 milhões, para reformar plataformas. A empresa também participava do consórcio encarregado de construir a plataforma P-63, no valor de R$ 1,6 bilhão. Na investigação da Operação Águas Profundas, a Iesa Óleo e Gás admitiu ter entregue R$ 3,5 milhões à Angraporto, para comprar informações privilegiadas e vencer concorrência na Petrobras. A Angraporto, por sua vez, teria pago propina a funcionários da Petrobras, a fim de ganhar os certames. Com os dados, a Iesa obteria contrato para reformar a plataforma P-14. Em 2006, a mesma Iesa doara R$ 1,6 milhão para a campanha eleitoral do PT.
Como a Iesa, a GDK também se metera em confusão e sairia recompensada pela Petrobras. A empresa, com sede em Salvador, tornou-se famosa em 2005, após um de seus executivos presentear o então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, com um jipe Land Rover. A revelação do mimo a Silvio Pereira ocorreu no auge do escândalo do mensalão. Na época, a GDK era dona de R$ 512 milhões em contratos com a Petrobras, sendo que a reforma da plataforma P-34, no campo de Jubarte (ES), teria sofrido sobrepreço de US$ 23 milhões. Conforme levantamento da Folha de S.Paulo, após o escândalo a GDK voltaria a ser contratada 19 vezes pela Petrobras. Total dos contratos firmados, entre 2007 e 2009: R$ 584 milhões. O mais alto, no valor de R$ 199 milhões, foi assinado com dispensa de licitação.
Diversas ocorrências justificaram a criação da CPI da Petrobras. Mas o Palácio do Planalto a manteve sob controle desde o início, em agosto de 2009. Oito de seus 11 integrantes eram da base aliada. Lula ainda dispunha do presidente da comissão, senador João Pedro (PT-AM), e do relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR), seu líder no Senado. Requerimentos da oposição foram derrubados. Não houve acesso a dados considerados sigilosos. Engavetaram a investigação do convênio entre a Petrobras e a Fundação José Sarney. Não prosperaram as tentativas de averiguar a manobra contábil usada pela Petrobras, com a finalidade de alterar seu regime tributário e deixar de pagar R$ 2 bilhões em impostos em 2009.
Ao contrário da CPI dos Correios, que quase o derrubou, Lula, mais experiente, negociou antes e blindou a CPI da Petrobras. No editorial “Sob a regência de Lula”, o jornal O Estado de S. Paulo abordou a relação estreita entre o presidente da República e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP): “O apoio a Sarney é peça-chave nessa formidável construção de poder que Lula rege pessoalmente porque considera a sua prioridade número um. No primeiro mandato, Lula não raro delegou as articulações políticas do governo a Dirceu e aos ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e Antonio Palocci, da Fazenda. Neste segundo período, escaldado pelos tropeços no escândalo do mensalão, e até por falta de alternativas, tornou-se ele próprio o seu principal operador político”.

CLAUDIO TOGNOLLI

Claudio Julio Tognolli é jornalista há 35 anos e já passou por “Veja”, “Jornal da Tarde”, “Caros Amigos”, “Joyce Pascowitch”, “Rolling Stone”, “Galileu”, “Consultor Jurídico”, rádios CBN, Eldorado e Jovem Pan e “Folha de S. Paulo”. Ganhou prêmios de jornalismo e literatura como Esso e Jabuti. É diretor-fundador da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e membro do ICIJ (International Consortium of Investigative Journalism). Professor da ECA-USP, escreveu 12 livros.



segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Venina diz que discutiu denúnicas com Graça Foster



Venina diz que discutiu denúncias com Graça Foster

A ex-gerente-executiva da Diretoria de Abastecimento da Petrobras Venina Velosa da Fonseca afirmou na noite deste domingo que informou sobre irregularidades verificadas por ela "a todas as pessoas que podiam fazer algo" e que, além de ter registrado suspeitas por e-mail, chegou a discutir o assunto pessoalmente com a atual presidente da estatal, Graça Foster, quando a executiva máxima da companhia era diretora de Gás e Energia. "Naquele momento, discutimos o assunto. Foi passada uma documentação para ela, sobre as denúncias na área de comunicação (da Diretoria de Abastecimento, em 2008). Depois disso, ela teve acesso a essas irregularidades nas reuniões da Diretoria Executiva", disse Venina.

Em entrevista exclusiva ao programa "Fantástico", da TV Globo, Venina afirmou que irá até o fim nas denúncias e conclamou outros funcionários da Petrobras a fazerem o mesmo. A ex-funcionária da estatal, afastada, mês passado, de seu cargo de diretora-geral da operação da Petrobras em Cingapura, também confirmou as denúncias veiculadas em reportagem do jornal "Valor Econômico".

O jornal revelou os alertas feitos por Venina, citando "centenas de documentos" internos da Petrobras. Segundo o "Valor Econômico", as denúncias de Venina às instâncias superiores da estatal envolviam irregularidades nos gastos de comunicação na Diretoria de Abastecimento; nas obras da Refinaria de Abreu e Lima (Rnest), em construção em Pernambuco e cujo orçamento explodiu de US$ 2 bilhões para US$ 18,8 bilhões, após inúmeros atrasos; e nas negociações de óleo combustível na Ásia.

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Entre as pessoas informadas das irregularidades citadas por Venina na entrevista ao "Fantástico", além de Graça Foster, estão o ex-diretor de Abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, que assinou termo de delação premiada no âmbito da operação Lava-a-Jato; o atual diretor de Abastecimento, José Carlos Cosenza; o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli e gerentes-executivos que trabalhavam com ela à época.

Venina rebateu a alegação de Graça de que fora vaga nos alertas feitos antes deste ano. "Se falar em irregularidades na área de comunicação e problemas nas licitações não está suficientemente claro, eu, como gestora, buscaria uma explicação. Principalmente com uma pessoa com a qual eu tinha muito acesso, porque nós sempre tivemos acesso. Conheci a Graça numa época em que ela era gerente de Tecnologia na área de Gás (e Energia)", afirmou.

A funcionária afastada também negou que tenha sido cúmplice de qualquer irregularidade. "Eu trabalhei com o Paulo Roberto, isso não posso negar", disse Venina, referindo-se ao ex-diretor e hoje delator. "Se eu tivesse participado de algum esquema, não estaria aqui hoje, não teria feito a denúncia que fiz, não teria ido ao Ministério Público entregar o meu computador com todos os documentos que eu tenho, desde 2002", completou a executiva.>>No fim da entrevista, em tom emocionado em falar sobre a família e a mudança para Cingapura, Venina afirmou que irá até o fim nas denúncias e conclamou outros funcionários da Petrobras a também denunciarem.

"Espero que os empregados da Petrobras, porque tenho certeza que não fui só eu que presenciei, criem coragem e comecem a reagir. Temos que fazer isso para poder realmente fazer a nossa empresa ser o que era. A gente tem que sentir orgulho, os brasileiro têm que sentir orgulho dessa empresa. Eu vou até o fim e estou convidando vocês para virem também", afirmou.

Em nota lida no "Fantástico", a Petrobras voltou a negar que Graça e Cosenza tivessem sido alertados de irregularidades antes de novembro passado, reafirmou que as denúncias feitas por Venina foram apuradas por comissões internas e alegou que "possivelmente, a funcionária trouxe a público as denúncias porque foi responsabilizada por uma comissão interna".

Governos têm 14 vezes mais postos de livre nomeação do que a União


Governos têm 14 vezes mais postos de livre nomeação do que a União


 máquina de cargos de livre nomeação nos governos estaduais é pelo menos 14 vezes maiorque a do governo federal. O último levantamento oficial sobre o assunto, divulgado em março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os governadores, somados, empregavam em 2013 cerca de 84 mil servidores sem concurso apenas na administração direta.
No governo federal, embora o total de cargos comissionados se aproxime dos 23 mil, quase 75% deles são ocupados por servidores de carreira. O número de funcionários sem vínculo com o serviço público (não concursados) é de 5.933, segundo o último Boletim Estatístico de Pessoal.
Os cargos de livre nomeação são cobiçados por grupos políticos interessados em “aparelhar” determinadas áreas dos governos. Mas também são usados para atrair à administração pública técnicos e gestores com qualificações específicas para determinadas tarefas. Além disso, abrigam servidores de carreira em cargo de chefia, que, com isso, recebem um bônus sobre seus salários básicos.
O governo do Rio de Janeiro, sozinho, supera o número de não concursados do governo federal: tem 6.016 na administração direta (gabinete do governador, secretarias e órgãos subordinados) e mais 3.236 na administração indireta (autarquias, fundações e empresas públicas). Na esfera federal, há pouco mais de mil comissionados nesse âmbito, mas as comparações são indevidas, pois o conceito de administração indireta é diferente do utilizado nos Estados.
O governo paulista abriga 3.165 comissionados não concursados na administração direta e 2.645 na indireta. Segundo a Secretaria de Gestão Pública, houve redução de 30% no total de comissionados “puros” desde o ano passado. Em Minas Gerais, dos 4.370 servidores não concursados, 3.056 são da administração direta e 1.314 estão em autarquias e fundações.
No conjunto dos Estados, além das 84 mil vagas na administração direta, os Estados empregam cerca de 30 mil não concursados na administração indireta.
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No governo federal, um decreto de 2005, editado no governo Luiz Inácio Lula da Silva, reservou para servidores de carreira a maioria dos cargos comissionados. O decreto determina que, das vagas de remuneração mais baixa, de até R$ 4,5 mil, pelo menos 75% sejam ocupadas por servidores concursados.
Na faixa salarial intermediária, de R$ 7,9 mil, os servidores de carreira têm direito a pelo menos metade dos cargos. Acima desse valor, para quem ganha até o teto de R$ 13 mil, não há cotas mínimas de preenchimento. Ainda assim, os concursados ocupam mais de 70% das vagas nas duas faixas salariais mais altas. Em Minas Gerais também há cotas para servidores de carreira nos cargos comissionados. Mas as faixas salariais mais altas são de “recrutamento amplo”, ou seja, abertas mesmo para pessoas de fora do quadro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

DA UOL - ERUNDINA DIZ QUE COMISSÃO DA VERDADE FOI COVARDE EM NÃO ENFRENTAR MILITARES




Erundina diz que Comissão da Verdade foi covarde em não enfrentar militares
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Ricardo Senra
Em São Paulo
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A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), que desde 2011 tenta emplacar no Congresso uma revisão da Lei da Anistia com punição aos acusados de repressão durante a ditadura, acredita que a CNV (Comissão Nacional da Verdade) "traiu os movimentos sociais" e foi "covarde" ao não enfrentar os militares.

Aos 80 anos, a socialista expressou à "BBC Brasil" suas críticas ao que chamou de "processo extremamente fechado" da comissão, que não envolveu a sociedade na construção de seu parecer final.

Ela se emocionou ao se lembrar de amigos desaparecidos nos governos militares e afirmou que a CNV não representa esperanças para a punição de envolvidos em crimes de tortura. "Não podemos nos enganar e achar que o dever histórico do Estado está garantido com este relatório. Não está. O governo brasileiro continua em dívida com as vítimas da ditadura militar", disse Erundina.

A parlamentar acredita que as conclusões da Comissão, que saem nesta quarta-feira (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos, são "só mais um relatório que vai para o Arquivo Nacional".

Suas declarações representam uma voz crítica no ambiente de esquerda em relação às investigações da comissão, que se propõe a reacender o debate sobre crimes como tortura, assassinato e ocultação de cadáveres durante os governos militares, entre 1964 e 1985.

"Todo o processo da comissão foi extremamente fechado", critica Erundina. "Ninguém teve acesso. Este relatório nunca poderia ser divulgado sem haver uma discussão de avaliação com comitês do país inteiro que levantaram dados e devem ter contribuído com as principais informações deste relatório", afirmou. "Por isso, na minha visão, os movimentos sociais foram traídos pela Comissão da Verdade."

"Covardia"

Segundo a parlamentar, o surgimento da Comissão, em 2012, fomentou a criação de dezenas de comitês independentes em universidades, sindicatos, organizações sociais, assembleias e câmaras legislativas para investigações regionais de violações durante a ditadura. "O único ponto positivo (da Comissão) é este saldo organizativo que ficou na sociedade", afirma.

Para Erundina, entretanto, a estrutura da CNV não estimulou a população a "tomar as ruas" pela criminalização de atos violentos promovidos por militares ou agentes do Estado. "Não tomou as ruas. A força dos militares continua muito forte. As restrições à participação da sociedade e dos familiares no acompanhamento da comissão tem a ver com a covardia dos membros desta comissão em enfrentar os militares", afirmou.
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Comissão da Verdade investiga violações cometidas na ditadura140 fotos

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10.dez.2014 - A presidente Dilma Rousseff chorou ao discursar nesta quarta-feira (10) em cerimônia onde recebeu o relatório final da Comissão Nacional da Verdade sobre crimes e violações de direitos humanos que ocorreram no período entre 1946 a 1988, com foco na ditadura militar (1964-1985), em Brasília. A cerimônia aconteceu no Dia Mundial dos Direitos Humanos. O documento conta com a descrição do trabalho realizado, a apresentação dos fatos examinados, as conclusões e as recomendações sobre o tema Leia mais Ed Ferreira/ Estadão Conteúdo

A ex-prefeita de São Paulo prossegue: "Nestes dois anos e meio, a comissão funcionou de maneira fechada. Suas audiências públicas não eram públicas de verdade. Os encontros com os acusados pelos crimes foram feitos em sua maioria de forma reservada, privada, sem a presença das vítimas, familiares e cidadãos diretamente interessados nesta busca."

Por isso, Erundina diz entender a Comissão da Verdade como um projeto de "reconciliação" entre civis e militares, suscetível a pressões externas, e não pela "verdade e punição de quem realmente lesou o país".

"O objetivo deveria ser a justiça, mas a comissão não tenta impedir a impunidade, que mantém a ditadura viva e se reproduzindo nas delegacias, na repressão policial a cidadãos pobres nas periferias", afirma.

"Não podemos nos enganar e achar que o dever histórico do Estado está garantido com este relatório. Não está. O governo brasileiro continua em dívida com as vítimas da ditadura militar", continua a deputada.

Revisão

A Lei da Anistia prevê perdão a todos que "cometeram crimes políticos ou conexos", definidos como "os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política".

O Brasil deve punir quem cometeu crimes na ditadura?

Resultado parcial
É contra a interpretação de que os crimes como tortura seriam atos conexos que Erundina luta desde 2011, quando propôs no Congresso Nacional a "interpretação autêntica" (ou revisão) desta lei, promulgada em 1979. "Os civis já pagaram pelo que cometeram sob tortura, sob violência", diz, se referindo a membros de organizações que se utilizaram de métodos violentos contra o regime militar.
Para a deputada, os civis "também cometeram excessos", mas teriam pagado por eles na justiça ao passarem por prisões e serem vítimas de abusos contra a vida, como atos de tortura.

"O que querem mais contra estas pessoas? Os autores dos crimes não pagaram nada. Uma lei de anistia não pode admitir crimes de lesa-humanidade como os que foram cometidos. Essas pessoas não podem ter direito a perdão."

Corte

Erundina lembra que, em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil em julgamento sobre abusos cometidos por militares durante a ditadura. Ela cobra o cumprimento desta decisão internacional.

Dezoito anos antes, o Brasil aderiu à Convenção Americana, o que pressupõe o cumprimento de suas decisões. Entretanto, para juristas como Ives Gandra, nenhuma decisão internacional pode sobrepor decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que já se colocou contra a revisão da anistia.

A deputada discorda. "Quem defende dessa forma, usando a formalidade da lei e filigramas de vírgulas da legislação, faz uma opção contra a vida, a liberdade e a democracia. Eu não me conformo."

Ela se emociona ao lembrar dos "anos de chumbo", quando precisou "sair correndo" da Paraíba, seu estado natal, para São Paulo. "Tive meus momentos. Fui perseguida em vários sentidos e resisti como pude. Mas não posso nem me colocar diante daqueles que sofreram torturas, abusos sexuais, violência sobre sua dignidade. Sobretudo as mulheres, que foram vítimas pela sua natureza de mulher, mães cujos filhos pequenininhos assistiram à sua tortura, mães que assistiram aos filhos pequenininhos sendo torturados", diz.

Ela finaliza a conversa com a voz trêmula. "Isso precisa mexer com o sangue dessas pessoas. A mente, a alma e o coração dessas pessoas... Acho que perdi o racional agora. Me desculpe se me emocionei."