EM: DCM – Diário do
Centro do Mundo
No que ela estará pensando?
Por
mais que examine, não consigo encontrar na história do Brasil o caso de um
governo recém-eleito suscitar um clima de fim de feira na sociedade. Ao
contrário. Uma nova gestão desperta sempre um rosário de esperanças. Pode ser ilusório,
mas tem sido quase uma regra.
Há
poucas expectativas positivas para o Brasil de 2015. O próprio palácio do
Planalto parece incentivar tais visões, para justificar a adoção de medidas
duras e impopulares.
A
impressão geral é que vão começar os últimos quatro anos de uma administração
que conseguiu a proeza de queimar parcela significativa de seu capital político
– obtido em uma campanha acirrada e politizada – em dois meses.
O
segundo mandato de FHC provocou sensação semelhante, no início de 1999. Mas
isso se deu após a posse. Como os mais velhos se lembram, em janeiro daquele
ano, o real, cotado em R$ 1,20 e mantido artificialmente valorizado para
possibilitar a vitória tucana, chegou a R$ 3,20, em meio a uma aguda crise
cambial.
Dilma,
por sua vez, pouco sensível a diversos matizes da esquerda que possibilitaram
sua vitória, apressou-se, três dias após o segundo turno, em emitir um sinal
para o mercado financeiro. A materialização se deu através de uma elevação de
0,25% na taxa básica de juros. Um mês e meio depois, a diretriz foi reafirmada
com nova escalada de 0,5%.
O
MANTRA DA CREDIBILIDADE
A
partir da vitória, a fieira de acontecimentos é mais do que conhecida. Em busca
de um mantra apelidado de “credibilidade”, a presidente chamou um executivo do
mercado financeiro para a Fazenda, a líder do agronegócio – suspeita de
valer-se de trabalho escravo – para a Agricultura , um industrial acusado de
superexplorar trabalhadores para o Desenvolvimento e um folclórico
ex-governador para a vicepresidência do Banco do Brasil. Outro ex-mandatário
estadual – que entrou na Justiça contra o piso salarial dos professores – pode
ir para a Educação.
No
meio disso, promessas de ajuste fiscal duro, contração nas contas públicas,
continuidade na política altista dos juros e a disseminação das dificuldades
para o próximo ano.
Nada disso foi dito durante a campanha. Ao contrário.
Nada disso foi dito durante a campanha. Ao contrário.
Ao
longo da disputa, as baterias oficiais partiram para o confronto com Marina
Silva. A postulante do PSB planejava a independência do Banco Central. Foi
acusada de querer tirar a comida da mesa dos brasileiros. Em seguida, a
presidente tuitou que os tucanos plantavam dificuldades para colher juros
altos. Denunciou Armínio Fraga, por este difundir o plano de reduzir repasses
do tesouro para bancos públicos.
DESENVOLVIMENTISMO
ELEITORAL
Pessoas
podem mudar de opinião, de acordo com as transformações de seu entorno. Nada
demais aí.
Mas
mudanças bruscas, em se tratando de figuras públicas, confundem e tendem a
revoltar setores importantes da sociedade.
Marina
e Aécio foram derrotados por explicitar o que fariam. Marina foi literalmente
massacrada por suas ligações com uma herdeira minoritária do Banco Itaú.
Dilma
está fazendo exatamente o que acusou seus oponentes de perpetrar, caso fossem
eleitos.
Ou seja, se os dois candidatos à direita pecaram por sinceridade, Dilma chegou lá pedalando um rosário de inverdades.
Ou seja, se os dois candidatos à direita pecaram por sinceridade, Dilma chegou lá pedalando um rosário de inverdades.
Algo
como Collor de Mello que, na campanha de 1989, acusou Lula de querer confiscar
a poupança dos brasileiros. Em palácio, apressou-se em baixar exatamente esta
medida.
CONDUTA
DESEDUCATIVA
Com
tal comportamento, Dilma e o PT prestam um desserviço à democracia.
Uma
das indicações das manifestações de junho de 2013 foi a perda de legitimidade
da institucionalidade. Políticos são vulgarmente conhecidos por dizerem uma
coisa e agirem de maneira diversa. A candidata eleita está cumprindo o figurino
à risca.
O
sentimento antipolítica que tomou conta das ruas abriu espaço, um ano e meio
depois, para os que desejam uma solução de força ou uma amalucada intervenção
militar para dar jeito no país.
Falar
uma coisa em campanha e fazer outra no poder não ajuda muito a aprimorar nossos
costumes políticos.
CONQUISTAS
REAIS
Não
vale a pena cair na argumentação rasa de que tudo isso seria necessário para
preservar 12 anos de conquistas sociais.
Várias
das conquistas – que são reais – poderiam ser preservadas se fossem
constitucionalizadas. Bolsa-família e outros programas poderiam ter se tornado
uma Consolidação das Leis Sociais, algo aventado em 2008, a exemplo da
Consolidação das Leis do Trabalho, aprovadas por Getulio Vargas, em 1943.
PROBLEMA
DE ORIGEM
Há
um problema de origem na nova gestão.
Não
se trata do fato de Dilma ter obtido sua vitória com menos de 3% de vantagem.
Mesmo que tivesse ganhado por um voto, estaria legitimamente eleita. Jogo democrático é assim. Leva quem tem mais sufrágios.
Mesmo que tivesse ganhado por um voto, estaria legitimamente eleita. Jogo democrático é assim. Leva quem tem mais sufrágios.
Seu
vício de origem é que parte significativa de sua base social, o proletariado
urbano, se dividiu. Metade votou nela e metade em Aécio.
A
tarefa de qualquer líder com um pouco de política na cabeça seria recompor sua
base. Anunciar ações de impacto para atrair de volta os que se afastaram.
Dilma
faz o contrário. Já que falamos do senador alagoano, voltemos ao personagem.
Ela parece ter adotado um dos slogans de Collor, com sinal trocado. O
ex-presidente dizia em 1989 que deixaria a direita indignada e a esquerda perplexa.
A mandatária deixa a esquerda indignada e a direita perplexa.
ECONOMIA
DESARRANJADA?
Durante
a campanha, a mídia, o capital financeiro e a direita em geral – parte dela
dentro da coalizão governista – alardearam que o país estaria a beira do caos
no terreno econômico. Que as contas estariam desarranjadas, que a inflação
estaria fora de controle e que não conseguiríamos fechar o ano.
Por
trás de tudo estaria um insondável intervencionismo da presidente na economia.
O PT parece ter comprado esse peixe.
Afinal,
o que há de tão errado na economia brasileira?
A
inflação ficou o ano todo dentro da meta. Em nenhum mês saiu do controle.
A
dívida bruta do setor público está em 60% do PIB. A líquida, em 36%.
O
desemprego está em 5%, uma situação de virtual pleno emprego.
Cadê
o desarranjo?
Isso
não quer dizer que não existam problemas. O ponto é que a economia não cresce.
Não crescemos e a indústria perde fôlego e espaço relativo na composição do
PIB. Mas não é o problema em si. É a materialização de outras disfunções
sérias.
PIB
MEDÍOCRE
Nosso
câmbio segue sobrevalorizado – o que provoca déficits crescentes na balança
comercial – e o preço do dinheiro é muito alto. Por trás de tudo está uma taxa
de juros inacreditável.
Os
juros são nosso principal problema. Graças às taxas mais altas do mundo, o
câmbio se sobrevaloriza, nossos produtos perdem competitividade, a balança
comercial torna-se deficitária, o custo de nossa dívida pública atinge a
estratosfera e há um contínuo dreno de recursos públicos para bolsos privados.
Se nossa dívida é baixa (estoque), seu financiamento não é (fluxo). O problema
dos débitos está nos juros.
Essa
situação estrangula a economia. E o problema a ser atacado é justamente aquele
que o governo quer incentivar: a alta dos juros.
Sem
baixar significativamente as taxas – e isso implica enfrentar interesses
poderosos – tudo o mais será perfumaria.
AGRADOS
E DESAGRADOS
Dilma
busca desesperadamente agradar os que queriam sua derrota e acaba por
desagradar os que possibilitaram sua reeleição.
Pode
ser algo pouco perceptível agora, mas isso tende a alargar seu pecado original,
a divisão da base. Tende a levar ao desalento os que foram às ruas nos últimos
dez dias de campanha e acreditaram na possibilidade de o governo ir um pouco à
esquerda Nada a ver com revolução, mas com uma pitada de desenvolvimentismo.
A
combinação desses fatores pode também gerar turbulências e instabilidades em um
governo que não tem aliados confiáveis, que se vê às voltas com um
megaescândalo de corrupção e que enfrenta uma oposição cuja sanha golpista fica
cada dia mais clara.
Não
contente com os problemas da conjuntura, Dilma resolve criar novos a cada
semana.
Talvez
ela saiba o que faz.
Este
limitado redator não entendeu nada.

Sobre o Autor
Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFABC
e candidato do PSOL ao governo de São Paulo, em 2014