Dilma no volume morto
Matheus Pichonelli – seg, 22 de jun de 2015
É um espelho invertido o gráfico do Datafolha sobre a popularidade de Dilma Rousseff. Em 21 de março de 2013, ela era aprovada por 65% da população e rejeitada por 7%. Pouco mais de dois anos depois, ela é rejeitada por exatos 65% dos eleitores e aprovada por 10%. O índice dos que a consideram “regular” permaneceu quase o mesmo ao longo desses anos: de 30% para 24%.
Amores e ódios, estes sim são osciláveis – e essa talvez seja a maior lição da pesquisa divulgada no último domingo. A variação de humor em relação ao governo Dilma atravessa uma eleição, uma Copa do mundo e, principalmente, os protestos de junho de 2013, quando a popularidade da petista – e de outros gestores públicos – despencou.
Dilma deu início ao seu primeiro mandato na esteira da popularidade do governo Lula, de quem foi a principal gestora. Primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, ela era o rosto de um país que anos antes havia finalmente decolado, conforme a definição da Economist. Esse país estava prestes a receber dois grandes eventos internacionais: a Copa e a Olimpíada. Havia instituído, na última década, o mais sofisticado programa de inclusão social do planeta. Engrossou as fileiras da classe média, bancou a entrada das classes menos favorecidas na universidade, anunciou programas estruturantes para alargar o gargalo do desenvolvimento. E parecia ter driblado bem, com medidas anticíclicas então ousadas, a crise financeira internacional. O pano de fundo era a certeza de que os pilares da estabilidade democrática estavam fincados em terreno seguro de quaisquer desejos inconfessos.
Em março de 2013, o maior ponto de tensão da administração era a queda de braço sobre o pagamento de royalties entre estados produtores e não-produtores de petróleo. Era um ponto de tensão, mas nem o mais pessimista dos brasileiros (então na lista dos 10% que rejeitavam uma presidenta tão popular) desconfiaria das previsões sobre o futuro – sobretudo da importância da maior empresa do país para a administração de uma riqueza natural por meio da qual jogariam dinheiro e soluções para nossas misérias humanas e orçamentárias.
No pé do noticiário, talvez um leitor mais desconfiado encontrasse uma sombra premonitória na denúncia do Ministério Público Federal contra o ex-presidente da Valec, José Francisco das Neves (o Juquinha) e outros ex-diretores do órgão responsável pelas ferrovias federais. Entre os denunciados estavam ainda integrantes da construtora Odebrecht. Eram acusados de supostos desvios nas obras da Ferrovia Norte-Sul no Tocantins.
De junho de 2013 pra cá, o Brasil entrou na rota de um inferno astral que engoliu o homem mais rico do país, a maior estatal, as principais construtoras, o fiador da política econômica, o presidente mais popular. As derrocadas do técnico mais vitorioso e da seleção pentacampeã de futebol em pleno Mineirão entram no prólogo das coincidências macabras.
No auge da popularidade, Dilma surfava não apenas num momento de euforia presente, mas em uma perspectiva de futuro. Era retratada como a gerente de vassoura na mão que ejetava do Planalto qualquer auxiliar envolvido em suspeitas. As vassouradas pareciam abrir a trilha de uma mata fechada, mas deixaram de servir quando novos impasses se anunciaram – entre eles, o contínuo revisionismo sobre o papel de seu antecessor em nossas glórias e tragédias recentes.
No governo Lula, o pacto entre o setor privado e o Estado indutor do desenvolvimento gerou aberrações agora investigadas na Operação Lava Jato. Esse pacto financiou campanhas, consultorias e engordou as burras de feudos partidiários encravados em diretorias de sua maior estatal. Esse pacto, vale dizer, sempre existiu, mas foi muito bem assimilado pela gestão petista. Uma hora a conta estouraria.
As manifestações de 2013 colocaram as reivindicações populares em um outro patamar. Expuseram a necessidade de mudanças de um outro pacto, este sobre representantes e representados. As respostas dos primeiros foram vacilantes, e o apoio e paciência até então reservados à principal liderança política do país - que naturalmente passou a encarnar as agruras “da” política, não apenas de seu governo ou partido - também mudaram. Este apoio parecia ressurgir graças ao tempo de exposição utilizado na campanha para defender um projeto de país que agora se revela uma miragem.
Somada às revelações da Lava Jato e à desarticulação política, a distância entre o que foi dito na campanha e o que se anunciou da posse em diante fragilizou ainda mais o quadro de apoio da presidenta. Daí a aprovação bater agora a casa dos 10%. A cada dia parece mais distante, na memória do brasileiro, a imagem daquela liderança política que mostrava as credenciais e anseios de um país inteiro na Assembleia da ONU.
A crise secou um reservatório que escondia carcaças de erros econômicos grosseiros, mas a velocidade da deterioração política de um governo até ontem popular assusta qualquer otimista que segue agora na lista dos 10% de teimosos fiéis.
Para entender os efeitos dessa crise identitária na vida real, a declaração de Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz, à repórter Raquel Landim, na Folha de S.Paulo, soa como definidora: “Há dez anos, a inflação estava baixa, as contas públicas equilibradas e nós sabíamos o que viria pela frente. (…) Hoje não há confiança também porque o quadro político é muito complicado. O PSDB vota contra suas crenças e o PT também. Você acha que alguém vai investir nesse cenário?”
A insegurança é traduzida pela percepção dos eleitores segundo quem a situação econômica, a inflação e o desemprego vão piorar. Mais de 60% acham que o ajuste fiscal encaminhado pelo governo atingirá os mais pobres, justamente os que têm definido as últimas eleições em favor dos candidatos petistas.
“Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto e eu estou no volume morto”, desabafou o ex-presidente Lula em encontro com religiosos durante a semana passada. “Aquele gabinete presidencial é uma desgraça. Não entra ninguém pra contar uma notícia boa”.
A última má notícia veio em forma de pesquisa. Numa eventual disputa pela Presidência, Lula e sua popularidade seriam igualmente tragados pela onda de irritabilidade que atinge seu partido. Se a disputa fosse hoje, ele largaria dez pontos atrás do principal nome da oposição, Aécio Neves (PSDB-MG). A crise não faz estragos apenas na vida real. Atinge também os seus mitos.