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Acompanhei ontem parte da visita do ex-presidente Lula à região de Campinas. Depois de uma recepção tímida ao lado do candidato Márcio Pochmann na maior cidade do interior paulista – em parte, segundo ele, em razão do horário, quatro da tarde – o petista era aguardado com certa euforia pelos moradores de um bairro de Sumaré, cidade vizinha onde pediria votos ao postulante a prefeito local, professor Tito, azarão na disputa.
Seria um ato comum de campanha, com falas conhecidas e previsíveis, não fosse a avalanche que se tornou a história política recente, do qual, gostem ou não, Lula é peça-chave, provavelmente a única que será lembrada pelos livros e pelos futuros eleitores daqui a 50 ou 100 anos.
Lula, que até outro dia circulava entre chefes de Estado e era chamado de “o cara” pelo presidente Barack Obama, de repente era aguardado numa rua de casas simples onde, no único estabelecimento comercial mais próximo do palanque, era possível tomar um Dreher com Cinzano por dois reais e cinquenta centavos a dose. Lula chegou a se queixar do lugar do comício, montado ali por determinação, segundo ele, da prefeita da cidade em busca da reeleição. Ele questionou, no inicio da fala, se aquilo era jeito de receber um ex-presidente.
De fato, algo se perdia na autoridade de outros (e recentes) tempos e o figurino daquela quarta-feira, algo mais perto do Lula operário (e incendiário) do que o Lula presidente.
Para chegar ao carro de som, o petista teve de passar entre militantes e moradores que se aglomeravam entre ansiosos e curiosos. Ali, num canto esquecido entre tantos, pareciam disputar no cotovelo uma chance rara de ver de perto um pedaço da História.
Mas alguma coisa naquele alvoroço contrastava com a figura que, durante seu governo, tive a oportunidade de acompanhar em algumas pautas, como quando o vi se gabar,diante de empresários na Fiesp, de que nunca haviam ganhado tanto dinheiro como em seu governo. Ou quando, horas após entregar a faixa para Dilma Rousseff, foi recepcionado por uma multidão em frente ao prédio onde mora, em São Bernardo do Campo e, ao lado de José Sarney, pediu que todos ali amassem a sucessora como o haviam amado.
Percebi, então, que aquela era a primeira vez que via Lula em outro papel além daquele ao qual me acostumei a assistir ou registrar – o papel que o levou até ali.
Formado em 2005, só cobri minha primeira eleição em 2006, tendo acompanhado de perto, ainda como estudante, a disputa presidencial anterior. De perto vi o Lula de terno, cercado de seguranças, mas não o Lula operário, que liderava greves e precisava ser detido e investigado pelas forças de segurança.
Ali, naquele palanque da rua mal iluminada, Lula não parecia emprestar o prestígio de outros tempos para ajudar a eleger, sem a menor garantia de sucesso, o prefeito de uma cidade de 240 mil habitantes após observar a dissolução de seu entorno – impeachment e cassação da sucessora, prisão de antigos auxiliares e dirigentes próximos e acolhimento na Justiça das denúncias contra ele, entre as quais a acusação de comandar os desvios apurados na Petrobras.
Lula, que até outro dia, mais precisamente em abril deste ano, falava em defesa de um legado e da continuidade de um legado, representado pelo governo Dilma, testava naquela viela o velho papel de opositor, mas não um opositor meramente político partidário: era um contraponto simbólico entre as velhas elites acusadas por ele de se reorganizaram no entorno do novo governo de costas a um Brasil prestes a explodir naquelas ruas escuras onde seu projeto de inclusão, a todo instante lembrado nos discursos do dia. Um legado que, a se fiar por esses discursos, está prestes a se transformar em um quadro na parede da memória.
Nesse sentido, não parecia acaso que a demora do ex-presidente para chegar ao local se desse em razão de uma visita a uma ocupação da cidade com potencial de se transformar em um novo Pinheirinho: a ocupação Vila Soma, uma área privada de quase um milhão de metros quadrados onde vivem cerca de 10 mil pessoas.
Lula, ao discursar, não fez qualquer defesa enfática da presidenta cassada nem citou os correligionários detidos ou o antigo aliado Michel Temer. Mas falou das saídas articuladas em projetos como o Minha Casa, Minha Vida, como um projeto limado na fonte pelo governo atual – como se, com ele, tivesse sido limada também a preocupação com a população.