terça-feira, 25 de novembro de 2014

O AUTOENGANO PETISTA: PARECE QUE OS CORAÇÕES VALENTES ESTAVAM VIVENDO EM MARTE

25/11/2014

O autoengano petista: Parece que os corações valentes estavam vivendo em Marte -
25/11/2014 - Marcos Augusto Goncalves - Colunistas - Folha …
25/11/2014 03h00

Se a indicação, para o Ministério da Fazenda, do "ortodoxo" Joaquim Levy, causou
consternação entre petistas, a escolha, para a Agricultura, da senadora Kátia Abreu
provocou revolta e ranger de dentes. Nas redes sociais, não foram poucos os
entusiastas da candidatura Dilma que criticaram abertamente a decisão.
Nesse clima de "illusions perdues", houve até quem jogasse a toalha e se
declarasse na oposição. Mesmo alguns analistas da grande imprensa, com
experiência em bastidores e escaramuças políticas, mostraram-se decepcionados
com o que teria sido uma incoerência da reeleita -ou uma "capitulação" ao
mercado.

Pergunto: onde esses corações valentes estavam vivendo nos últimos anos? Em
Marte, o Planeta Vermelho? Acreditaram nas mistificações de João Santana sobre
banqueiros e executivos malvados do mercado que apoiavam Marina Silva e Aécio
Neves e comeriam as criancinhas nordestinas? Como esperar uma "guinada à
esquerda" de um governo enfiado até o pescoço em alianças -algumas nebulosas–
com o establishment econômico e com o que há de mais atrasado na política
institucional do país?

Faz tempo que o PT tornou-se o síndico do Centrão e deixou a retaguarda aberta
para um novo partido de esquerda – que já é o PSOL. Será preciso lembrar que o
vice-presidente da República se chama Michel Temer, que Edison Lobão é
ministro das Minas e Energia, que o bispo Crivella já ocupou o primeiro escalão e
que a nossa musa balzaquiana do agrobusiness é unha e carne com a presidente –
uma tecnocrata "revolucionária" que veste sapatos Louis Vuitton?
O autoengano da militância petista -sempre inclinada a ver "tática" onde o que
resta de estratégia, queira-se ou não, já se instaurou - chega a ser comovente em
seu jeito pueril de avaliar a realidade política. Desde pelo menos a famosa Carta ao
Povo Brasileiro, o PT -ao menos aquele em que Lula pontifica– tornou-se uma
espécie de versão mais aguerrida e "social" do PSDB, partido com o qual, aliás,
sempre manteve mais afinidades do que divergências.

Por razões de disputas políticas (e de afirmação ególatra), não raro paroquiais,
essas siglas, que nasceram como duas faces de uma mesma moeda (a da
hegemonia "esclarecida" de São Paulo nos anos pós-ditadura) procuraram e
procuram realçar ao máximo suas diferenças. De tal modo que preferiram dar o
braço a ACMs, Sarneys e Collors a buscar uma via mais curta e interessante para o
entendimento e a governabilidade. Ou será que a distância entre FHC e Lula era
mais longa do que aquela que separava cada um deles de ACM e Paulo Maluf?
Lula, não esqueçamos, fez campanha para FHC ao Senado nos tempos do MDB.
Alçado ao poder, o PT manteve, afinal, as bases da política econômica do governo
tucano, no qual Levy estreou como secretário-adjunto da Fazenda. Palocci, o extrotskista
neoliberal- progressista, e Meirelles -um ex-banqueiro que se filiara ao
PSDB-partiram da terraplanagem feita a duras penas pelo Plano Real, e a gestão
lulista logrou, com medidas distributivas e boa dose de sorte com os ventos
internacionais, dar um salto.

Lula, como se sabe, é um pragmático, um mediador, um espírito político forjado
pela negociação com o capital em favor de melhores condições para a classe
operária. Nunca desejou fazer revolução nenhuma, mas conseguir casa, comida,
TV, Fusca e escola para os mais pobres. Sempre foi um agente da ascensão social.
A inclusão que promoveu durante seu governo foi antes pela via do mercado do
que da cidadania: tratou-se ali de um segundo ciclo de integração de excluídos ao
mundo do consumo, após o primeiro, marcado pela estabilidade e a bancarização
dos pobres, propiciada pelo controle da hiperinflação.

O governo de Dilma Rousseff, personagem cheia de si e sabichona, mas com
frágeis qualidades para assumir a Presidência, até que tentou avançar em mais um
ciclo: se tudo desse certo, os juros cairiam a patamares mais civilizados -o que
beneficiaria a indústria, as contas públicas e o consumidor– e o país minimizaria
os efeitos danosos da crise mundial, preparando-se para uma nova etapa de
crescimento.
Só que deu tudo errado. A aprendiz de feiticeira enfiou os pés pelas mãos, errou a
mão no intervencionismo, na negociação política, nas mágicas contábeis e na
equipe econômica, sem falar na má sorte de ver os ventos internacionais - em
particular os orientais-mudarem de direção. Sim, manteve-se bom nível de
emprego e renda -aspectos exaltados durante a campanha, mas que não resistiriam
muito tempo mais ao desastre do desajuste fiscal, do baixíssimo crescimento (pior
que o dos anos Collor e FHC) e da inflação em trajetória de alta.

Diante desse quadro, uma pessoa querida perguntou-me antes da eleição: você
acha melhor o Aécio ou a Dilma? "Tanto faz", respondi, já impaciente e enjoado
com a campanha. "Claro que seria muito saudável para todos o PT passar um
tempo na oposição, mas a Dilma provavelmente vai ter melhores condições
políticas para fazer o ajuste econômico que os petistas acreditam ser uma proposta
equivocada do Aécio e dos neoliberais". Lula, que não é bobo e quer voltar (e aí o
PT, definitivamente, viraria nossa versão do PRI mexicano), sabe que é preciso
reconquistar a confiança dos investidores, dos mercados e da "zelite" -ainda mais
num momento em que o Petrolão assombra 12 anos de governança petista.
Lula, era público, queria alguém do mercado na Fazenda –Trabuco, ao que parece,
era seu predileto. Mas negou fogo. Levy vai na mesma linha, embora Armínio
Fraga, com quem tem muitas afinidades, pareça mais sofisticado.

Quanto a Kátia Abreu... Bem, Dilma é um trator movido a diesel. Por que a
surpresa?

Agora um pressentimento: são grandes as chances de que, após um período mais
difícil de ajuste, acompanhado de gritaria da esquerda, a economia entre nos eixos
e o país volte a crescer de maneira consistente – para deixar Lula (ou quem seja)
na porta do gol.
Quanto às preocupações ambientais e com a mudança de modelo em favor da
sustentabilidade... Bem, essa candidata era outra –e foi malhada por ser "amiga
dos banqueiros" e mudar de opinião. Como diria o velho Paulo Francis, waaaaaallll...

Marcos Augusto Gonçalves é editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos
de Cultura na Ilustrada' (Publifolha, 2008) e de '1922 - A semana que Não Terminou'
(Cia das Letras, 2012).