sexta-feira, 26 de junho de 2015

PUBLICADO EM 05/04/2015


A proposta de Moro

por Luiz Gonzaga Belluzzo — publicado 05/04/2015 09h20
A punição com desrespeito à lei e às instâncias de recurso garantidoras da presunção de inocência é tão grave quanto a impunidade
Orlando Kissner/ Fotos Públicas
Sergio Moro
O protagonismo judiciário em exibição nos palcos brasilieros desmente a tese de Michel Foucault exposta em Vigiar e Punir
Em artigo publicado nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, o magistrado da moda, Sergio Moro, e o presidente da Associação de Juízes Federais defenderam a necessidade de mandar às enxovias os réus condenados em primeira instância. É o mais recente episódio da novela “A Derrocada das Instituições”.
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Não é de hoje que fenece o desassombro dos intérpretes da lei, acovardados diante da ferocidade dos homens-massa que pretendem resolver os conflitos com o exercício puro e simples das próprias razões. Nas complexas sociedades modernas, a punição executada ao arrepio da lei e com desrespeito às incontornáveis instâncias de recurso garantidoras da presunção de inocência é tão grave e devastadora quanto a impunidade.
Nada pode ser mais trágico para uma sociedade enredada na malha das relações mercantis e da diversidade de interesses do que a invasão da vingança particularista na prestação da justiça. No Brasil, essa forma deformada da aplicação da norma abstrata e impessoal denuncia a capitulação dos órgãos encarregados de vigiar e punir aos ditames da sociedade-espetáculo. Os brasileiros de todas as classes assistem – uns embevecidos, outros atônitos – ao espetáculo da Justiça ou às façanhas da Justiça-Espetáculo.
O protagonismo judiciário em exibição nos palcos brasileiros desmente a tese de Michel Foucault exposta no livro Vigiar e Punir. Ao examinar a execução das penas entre os fins do século XVIII e os inícios do século XIX, Foucault desvenda a passagem do suplício público para “um jogo de dores mais sutis, mais despojado de seu fausto visível”. Em poucas décadas, diz Foucault, “desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, simbolicamente marcado no rosto ou nos ombros, exposto vivo ou morto, apresentado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal... A sombria festa punitiva começa a extinguir-se”.
A contaminação do aparelho judiciário tem avançado sem qualquer reação dos que percebem o fenômeno e o abominam, mas que preferem se recolher diante da contundência e da ousadia dos que buscam substituir a “disciplina” prisional pelos festivais de exibição midiática, encenados em um ambiente social entregue às farândolas do Pouco Pão e Muito Circo
Não há limites à ação pessoal e atrabiliária de autoridades atraídas pelos frêmitos e cintilações da “sociedade do espetáculo”, o brilhareco de 15 minutos de fama. São exemplos impecáveis de como os deveres republicanos se dissolvem diante dos esgares incontroláveis da subserviência ao exibicionismo das telas e das manchetes, coadjuvada pelo corporativismo mais escancarado.
As relações promíscuas entre as autoridades judiciais e a mídia colocam os cidadãos brasileiros diante da pior das incertezas: a absoluta imprecisão dos limites da legalidade. As garantias da publicidade do procedimento legal são, na verdade, uma defesa do cidadão acusado – e ainda inocente – contra os arcanos do poder, sobretudo das predações do poder não eleito. Pois essas conquistas da modernidade, das quais não se pode abrir mão, vêm sendo pisoteadas por quem deveria defendê-las. Ocultam à sociedade, em cujo nome dizem agir, a dedicação com que laboram para tecer a corda em que enforcarão as garantias individuais. É comum e corriqueira entre nós a transformação das prerrogativas funcionais em privilégios individuais e pessoais.
É a velha arrogância oligárquica nutrida por uma certeza: são todos da mesma turma, aquela que manda e desmanda. Há um trânsito contínuo de pessoas e de influência entre as esferas do poder: o big business, a grande política, as burocracias públicas e as corporações do mass media; e, muito mais que isso, há a formação de uma cultura comum.
Ao concluir, recordo, mais uma vez, as palavras de um magistrado de outros tempos proferidas em seu discurso de aposentadoria. “Preferi a tranquilidade do silêncio ao ruído das propagandas falazes; não suportei afetações; as cortesias rasteiras, sinuosas e insinuantes, jamais encontraram agasalho em mim; em lugar algum pretendi subjugar, mas ninguém me viu acorrentado a submissões; dentro de uma humildade que ganhei no berço, abominei a egomania e a idolatria; não me convenceram as aparências, e para as minhas convicções busquei sempre os escaninhos. Particularizando, no exercício das minhas funções de magistrado diuturnamente, dei o máximo dos meus esforços para bem desempenhá-las e, ainda que em meio de uma atmosfera serena e compreensiva, em nenhum momento transigi com a nobreza do cargo; escapei de juízos temerários, tomando cautelas para desembaraçar-me das influências e preferências determinantes de uma decisão; e, se alguma vez, inadvertidamente, pequei contra a lei, vai-me a certeza de que o fiz para distribuir bondade e benevolência.”


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    Sem entrar no mérito por desnecessário, pois a retórica é mero veículo para atacar a ação do juiz Moro na ação de investigação da Petrobrás, surpreende que o artigo não faça nenhuma menção ao Ministro Teori Zavascki que tem sistematicamente corroborado, desde Novembro do ano passado, essa linha de raciocínio jurídico no STF onde os recursos e pedidos de habeas corpus dos acusados da Lava Jato tem sido negados repetidamente. Independentemente do artigo publicado pelo magistrado e ao contrário do que quer fazer crer facciosamente nesse texto aqui o Sr. Belluzo, a interpretação dos fatos e a aplicação das Leis na operação Lava Jato até o momento não são produto de um "cruzado" em busca de "15 minutos de fama" mas tem sido sustentada com farta argumentação pelo STF na figura do relator do processo. Basta ler as decisões do Ministro Zavascki. O resto é chororô de quem tenta defender o indefensável.
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        E agora surge uma outra "retificação" da delação premiada do santo Paulo Roberto da Costa declarando que em absoluto houve superfaturamento nos contratos da BR. O que aconteceu, segundo declaração de seu advogado que "esclareceu" a delação, é que as empreiteiras pagaram as propinas com parte do que seria os seus lucros. Quem quiser acreditar que acredite. Aos poucos vai aparecendo toda a podridão dos subterrâneos dessa operação Leva a Jato, seus métodos e procedimentos bizarros para justificar os seus objetivos pra lá de escusos. Com a lama lambendo as bocas dos delatores premiados e as promessas de alívio para as penas dos crimes confessados pelos mesmos sendo esquecidas, começa bater o desespero aos delatores ao verem que foram jogados aos leões com apenas canivetes de plástico para se defenderem. Falhou de novo.
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            Qual o crime de uma autoridade que faz o oposto daquilo para que foi contratada? Traição. Basta definir no Código Penal igualzinho ao Código Penal Militar.
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                E uma pena que magistrados como esse do discurso da aposentadoria seja espécie em extinçao. A gente pode contar nos dedos os integros. Os outros ficam iguais mariposas em volta da luz. Alguns até chegam a se queimar, os mais avidos.
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                    Lógico que não se deve cercear nenhum direito de defesa. Mas, ver toda a esquerda se postando tão zelosamente na defesa de empreiteiros corruptos, com medo de que eles entreguem os líderes petistas, não tem preço. Gostaria de ver se isso aconteceria caso os acusados fossem adversários políticos.
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                        Quanta inversão! O que a esquerda está pedindo é real imparcialidade na condução dos processos. A verdade é que o Poder Judiciário foi usurpado pela Mídia. São os barões dos jornais que decidem quem é réu e quem é culpado, os de toga apenas executam a sentença. As sujeiras da direita são varridas para debaixo do tapete desde sempre, mas alguns que comentam aqui fazem parecer que é o contrário.
                        Não enxerga um palmo diante do nariz quem não vê a forma enviesada como as delações estão sendo conduzidas, como foram seletivamente "vazadas" e como se ignora com critérios claramente políticos os episódios ocorridos na década de 90. Questionar tudo isso não tem nada a ver com "defender zelosamente empreiteiros corrutpos".
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                          Concordo com o articulista. Só acho uma pena que a Esquerda só tenha essa visão mais garantista do Direito Penal agora que está no banco dos réus. Quando acusava injustamente Mário Covas e Pedro Malan, ou quando defendia publicamente um inquérito eivado de vícios contra Daniel Dantas (não entro mérito da culpa deste, mas discuto a forma que se deu a persecução), ela esquecia esse discurso garantista. Mesmo hoje, confunde a manutenção de contas no exterior com evasão fiscal, e defende a quebra do sigilo fiscal dos acionistas do HSBC na Suíça. Isso é ser garantista?
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                            Mas é, pois é, a cada dia aparecendo mais pilantragens dos de sempre, e daí ? qual é ? são todos "inocentes" e dá-lhe CARF, e