Como explicar a briga em torno de um boneco inflável a um estrangeiro?
Matheus Pichonelli – seg, 31 de ago de 2015
Imagine, de novo, um correspondente estrangeiro tentando explicar ao chefe baseado em seu país, por Skype, os desdobramentos políticos da última semana. Imagine a confusão para explicar a confusão em torno do “Pixuleco”, o boneco inflável do ex-presidente Lula que espalhou paixões e ódios por onde voou. Apenas imagine:
-Calma. Tenta me explicar de novo.
-É assim, chefe. No sábado, o ex-presidente disse que voltaria a voar. No domingo eu abri a janela e vi o sujeito voando. Era um boneco inflável. Achei que fosse uma grande sacada de marketing, mas não era.
-Precisamos de uma errata urgente. Quer dizer, então, que aquele boneco não era uma homenagem?
-Não. Pelo contrário. É uma forma de chamar o adversário de ladrão. Era golpe baixo mesmo, chefe. E caro, porque ninguém sabe quem pagou o boneco. Aqui as coisas são assim.
-Como vou explicar isso aos leitores? Você precisa prestar mais atenção…
-Mas chefe…até o delegado se confundiu. Quando o boneco foi rasgado, ele achou que o próprio ex-presidente tinha sido atacado por algum maluco. Mas quem atacou o ex-presidente, digo, o boneco do ex-presidente, eram os apoiadores do ex-presidente.
-O ministro que foi hostilizado em São Paulo era ministro mesmo ou era boneco também?
-Não, esse era ministro mesmo. De carne e osso.
-Mas os ministros não moram em Brasília?
-No Brasil ninguém mora em Brasília no fim de semana, chefe.
-E a presidenta, o que acha disso?
-Não temos ideia.
-E aqueles tuítes engraçadinhos?
-Não eram dela, chefe. É um perfil fake.
-Fake???? E as pessoas sabem disso?
-Sabem. Inclusive a presidenta. Elas são amigas. Digo, amigos. Quem escreve é um rapaz.
-Dela não tem boneco?
-Daquele tamanho, não. Parece que vão produzir.
-Quem? A oposição?
-Não, os apoiadores da oposição.
-Mas pra que boneco? Pelo que você diz, a situação dela está mais tranquila, né?
-Estava. Depois piorou.
-Como assim?
-Ela ganhou tempo para explicar as contas do governo. Mas as contas da campanha entraram agora na mira. São dois tribunais diferentes, chefe.
-E onde atual, afinal, aquele procurador com cara de quem acabou de acordar?
-Então: em tese, esse é o juiz.
-Como assim juiz? Não foi ele que pediu a investigação?
-Ele mesmo. Mas o procurador é o outro.
-O que disse que não tem nada a investigar?
-É…
-Mas esse não é o advogado?
-Não. Quem o chamou de advogado do governo foi o juiz da Suprema Corte, que aqui chamados de ministro, e que aqui acumula a função de ministro do Tribunal Eleitoral.
-Jesus amado…como vamos explicar isso?
-Vamos precisar de uma edição especial, senhor.
-E você acha que eu tenho papel e tinta sobrando, né?
-Então, chefe. Não dá pra cobrir o Brasil em papel. Temos de lançar um hotsite com atualizações diárias. O cara que tiver interesse vai lá, dá F5 e vê a mudança do jogo em tempo real, como fazemos com a tabela do Campeonato Brasileiro em dia de jogo. Aliás, precisamos de uma atualização urgente…
-Como assim?
-Então. Lembra daquela desenho sobre quem é quem? Precisamos mudar.
-O que você aprontou?
-Eu? Eu nada. Quem aprontou foram os caras. Sabe esse de óculos e nariz fininho que a gente citava como “oposição moderada”? Pois bem, no fim de semana ele chamou o partido do governo de “praga” que precisa ser eliminada.
-Mas o agressivo não era o outro?
-Pois é. Aqui existe uma briga dentro da oposição. Ganha quem for mais agressivo contra o governo. Se existissem primárias, venceria quem tem mais inseticidas. “Eu vou esmagar no chinelo”. “Pois eu vou explodir com bomba”. “Eu vou mastigar, cuspir e chutar”. Aqui as coisas são assim.
-E o agressivo, está quieto?
-Está mais calmo. Foi citado por um investigado na Petrobras como beneficiário do esquema. Mas ninguém deu muita pelota e ele, que não é bobo, ficou na dele.
-E a base do governo? Não reage?
-Que base?
-A base de apoio.
-Não conheço, senhor.
-Os empresários ainda apoiam a presidenta?
-Até a última matéria, sim. Mas aí a presidenta sugeriu recriar um tal de imposto sobre cheque e provocou uns ruídos…
-No Brasil ainda usam cheque?
-É só maneira de dizer. Era, na verdade, uma Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira. Foi criada no tempo dos tucanos e, de provisória, virou permanente. Mas quando o PT assumiu, os tucanos ajudaram a acabar com ela. E agora barraram a recriação.
-E o governo tem bala para aumentar imposto a essa altura?
-Bala não tem. Mas não custava tentar. Ali ninguém sabe mais de onde cortar custos e gerar receita. Mas fica tranquilo: a proposta já caiu. A pauta também.
-Mas já?
-Já.
-Que rolo. Mas vem cá: o vice-presidente não ia dar um jeito nesses bate-cabeça? Ele não ia reunificar tudo?
-Parece que ia. Mas aí pediu as contas?
-Não é mais vice-presidente??????????????
-Não, não é mais o ministro da articulação política.
-Ele foi demitido?
-Na verdade ele nem tomou posse. Estava fazendo um bico. Mas na semana passada se demitiu. Disse que estava tendo trabalho demais na negociação com os parlamentares. E agora vai pra TV com uma conversa estranha…
-Que conversa estranha?
-A de que o Brasil precisa mudar. Isso porque ele é situação. Vai falar isso ao lado dos presidentes da Câmara, que é inimigo do governo, e do Senado, que ninguém sabe que apito apita.
-Eles que são os tucanos?
-Não. São do PMDB. Que deu origem aos tucanos. E hoje governam, ou deveriam governar, com o PT.
-E por que a conversa é estranha?
-Porque o dono dessa frase de que o Brasil precisa, quer e vai mudar falou isso em 1984. E nem está aqui pra se defender.
-Deixa ver se entendi. Os caras que estão defendendo mudanças são esses homens, brancos, adultos e de cabelo branco? Achei que eram mais…descolados.
-Imagina! Eles dizem isso há 30 anos. E sobreviveram a TODOS os governos desde a redemocratização. Esse que agora aliviou pra presidente, inclusive, foi ministro da Justiça do Fernando Henrique.
-Reunificação, mudar tudo para permanecer como está…acho que já vi essa história antes.
-Sim, no Lampedusa.
-De toda forma, quanto mais você fala, mais confuso eu estou. Você me prometeu um relato educativo.
-Chefe, você prometeu me enviar a um país sem conflito, sem chacina e sem furacão. Precisamos urgentemente de um DR.
-DR?
Sim. É uma sigla para “discussão de relacionamento”. É quando um casal decide rever os rumos. O meu é fugir daqui.
Foto: Página Oficial do Boneco Pixuleco no Facebook