O boneco petista e o ataque de um fundador do PT
Por Alex Antunes | Alex Antunes – sex, 4 de set de 2015
Hélio Bicudo é uma reserva de dignidade na política nacional. Aos 93 anos, é um dos principais juristas do país. Foi ministro de João Goulart e, como procurador em São Paulo, investigou e enfrentou o Esquadrão da Morte durante a ditadura militar. Foi fundador do PT, secretário municipal e vice-prefeito (respectivamente com Erundina e Marta Suplicy). Afastou-se do partido em 2005, sob impacto das denúncias do mensalão.
Na terça feira, dia 1º, protocolou na Câmara dos Deputados um pedido de impeachment de Dilma Roussef, embasado em 400 páginas. Os blogs petistas se apressaram em lembrar que Bicudo já tinha apoiado Marina Silva e (em segundo turno) José Serra nas eleições presidenciais – e que três de seus filhos discordaram do pai (já sua filha representou o pai na apresentação do pedido).
Mas o pedido de impeachment não é incoerente com as razões que o afastaram do partido. Bicudo entrou em rota de colisão com Lula e com José Dirceu, por razões políticas – e criminais. Como conta o jornalista e também fundador do PT Cid Benjamin em suas memórias, Bicudo fez parte de uma comissão que investigou falcatruas nas prefeituras do PT já na década de 1990.
Diz Benjamin: “Lula não aceitou o relatório da comissão Bicudo-Cardozo-Singer. Atropelou o partido e, por exigência sua, o trabalho foi desconsiderado sem ter sido avaliado pelo Diretório Nacional. Uma segunda comissão, com integrantes escolhidos a dedo, foi montada para reexaminar as denúncias”. O beneficiário desse “teste de corrupção”, como o chama o blog de Tadeu Afonso, era Roberto Teixeira, compadre de Lula. “Segundo Hélio Bicudo, era ‘impossível’ que Lula não soubesse de todos os escândalos que estavam destruindo o PT (…) ‘Ele é mestre em esconder a sujeira embaixo do tapete. Sempre agiu dessa forma’”.
Os assassinatos dos prefeitos petistas Celso Daniel (Santo André) e Toninho do PT (Campinas), separados por apenas quatro meses, no fim de 2001 e início de 2002, foram o ponto mais inquietante dessa época obscura. Lula seria eleito presidente no fim daquele ano, e os questionamentos sobre as mortes dos dois prefeitos petistas permanecem em aberto até hoje. Paulo de Tarso Venceslau, o ex-colega de militância clandestina de José Dirceu e secretário da fazenda de São José dos Campos que denunciou Roberto Teixeira, foi expulso do partido em 1998. Antes, sofreu um atentado.
Um dos filhos de Hélio Bicudo, José Eduardo, diz que o pai fez “papel ridículo”, e que o motivo seria sua “briga pessoal” com Lula, que o levou a se juntar à “direita mais sórdida”. A divisão entre os filhos de Bicudo simboliza, de certa forma, a divisão entre petistas e ex-petistas. Para quem ainda se mantém aferrado ao mito lulista, é mais importante manter esse simbolismo do que (como o Bicudo pai) se preocupar com a aberração que esse partido se tornou, através dessa trajetória de escândalos e até assassinatos. Mas, no momento em que o próprio PT abandona Dirceu, fica difícil sustentar o simbolismo. Escribas petistas (ou ex petistas), como Gregorio Duvivier em Porque odiar o PT e Tati Bernardi em Como continuar petista?, têm traduzido essa inquietação.
Talvez por isso, e na contramão dessa deprê, uma iniciativa bem-humorada da direita antipetista, o boneco do Lula presidiário chamado Pixuleco, esteja causando uma encrenca inusitada. Depois de sua estréia na manifestação em Brasília, ele foi esfaqueado por uma ativista da União da Juventude Socialista na sua passagem por São Paulo, na semana passada. Foi a primeira parada do boneco em sua tour nacional, intensamente acompanhada pela imprensa. Em casos como esse e o da resposta de Reinaldo Azevedo a Laerte (falo sobre isso aqui, em Se eu fosse você, OU a crise é tão aguda que Laerte e Reinaldo Azevedo trocam de personalidade). Como diz uma amiga minha, é sintomático que a direita se aproprie do humor anárquico que costuma ser identificado com a esquerda, enquanto a esquerda governista exibe um mau humor conservador e “de direita”.
Bonecos contra políticos não são novidade. Em 1998, um boneco gigante do presidente Fernando Henrique Cardoso encomendado pela CUT (com 12 metros de altura, contra 15 do Pixuleco) foi malhado, como Judas, em Brasília. Em 1999, Lula disse que a renúncia do presidente tucano “seria um ato de grandeza” – frase que FHC repetiu no mês passado, em relação a Dilma. Seriam as caneladas do jogo político; são noticiadas e logo desaparecem. Mas, na torcida petista, têm causado uma comoção anormal. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pensou até em cassar o Pixuleco, com base em legislações municipais.
Porque o boneco de Lula, numa certa medida, é mais do que um boneco – é a representação da condição precária da credibilidade lulista e petista. Há quem ache que Lula poderia recompor seu prestígio, e partir para uma candidatura competitiva em 2018. Acontece que a “magia do Lula”, que o blindou durante todos esses escândalos e turbulências, e que gerou sua fama de líder indestrutível, está se esvaindo muito rápido e – penso eu – definitivamente.
Nas manchetes de hoje nos jornais o vice presidente Temer diz que será difícil Dilma se sustentar por mais três anos sem apoio popular. Paradoxalmente, um impeachment de Dilma teria um impacto muito positivo numa candidatura Lula em 2018: é o “golpe” de que ele precisa para se recompor suas bases e poder se apresentar de novo como defensor dos desfavorecidos. Até por isso uma parte da oposição (e da base governista) preferiria a manutenção de uma Dilma fraca e chantageável.
O capital também preferiria não se arriscar num cenário imprevisível desses. Foi esse acordão que quase foi costurado há duas ou três semanas. Mas nada é tão simples assim – Lula e Dilma estão ambos expostos ao avanço das investigações, e à crescente indignação popular. Dilma nem bem executa as estratégias petistas, nem tem a coragem política de se afastar do partido e dos movimentos sociais. O resultado é um conjunto de iniciativas políticas e econômicas erráticas, voluntaristas, desastradas e incoerentes. A abortada tentativa de volta da CPMF e a proposta do orçamento da união arrombado foram apenas as mais recentes. O boneco petista está totalmente exposto nestes tempos bicudos.
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