Kátia Abreu é o terceiro turno: entre PT e PT
Alex Antunes
25 de novembro de 2014
A
indicação da senadora pelo Tocantins Kátia Abreu para o ministério da
Agricultura é, sim, digna de reclamação. Só não é digna de nenhuma
surpresa. Representante do que o país tem de mais perigoso e atrasado,
ela era possivelmente o nome mais certo para o ministério do segundo
mandato da presidente. Quem votou Dilma votou Kátia, ponto.
Inimiga
declarada dos índios, ambientalistas, quilombolas e trabalhadores
rurais, apelidada Rainha da Motosserra e Miss Desmatamento, Kátia
coleciona acusações de diversos calibres. Quer reverter a demarcação de
terras indígenas e desqualificar a Funai. Legalizou a invasão de terras
públicas na Amazônia. Como presidente da Confederação Nacional da
Agricultura e Pecuária, luta contra a erradicação do trabalho escravo.
Tomou terras no Tocantins, participou do leilão para armar ruralistas contra os índios, defende o latifúndio improdutivo,
tem dois irmãos envolvidos em flagrantes de escravidão no campo nos
dois últimos anos. Lutou por um Código Florestal “flexível”, e defendeu
em artigo o fim do salário mínimo e de direitos trabalhistas. Enfim, é a
figura central do capitalismo mais truculento. Acontece que Kátia Abreu
é, também, uma das figuras políticas mais próximas de Dilma Rousseff.
Em
sua rápida trajetória política nacional, partindo do DEM, passando pela
vice-presidência do PSD de Gilberto Kassab e desembarcando no PMDB,
onde ainda é considerada “uma estranha”, Kátia deixou a oposição
aguerrida ao PT para celebrar uma estranha aliança com a presidente. A
crise que provocou sua saída do então recém-criado PSD foi exagerada,
meio inexplicável. Não surpreenderia se houvesse a mão de Dilma nisso.
Feita
sem consultas a ninguém, mas absolutamente dentro do esperado, a
escolha de Kátia desagradou politicamente a base. Setores do PT
protestaram (não o PT de Tocantins, onde a operação estava bem azeitada,
como revela o suplente de Kátia,
Donizeti Nogueira, para quem, humoristicamente, é “a elite” que fala
contra Kátia). O PMDB protestou – só sossegou quando se assegurou de que
a senadora não fará parte da sua cota no governo, e quer saber que
ministério importante vai receber no lugar desse, já que a agricultura
era da cota dos deputados do partido.
Kátia Abreu já avisou que vai ser presidente do país. Falou isso em entrevista ao jornal inglês The Guardian
– que a chamou de “parlamentar mais perigosa do Brasil”. E parece ter
em Dilma sua mais forte aliada. Sabe-se lá o que Dilma está pensando
para as eleições presidenciais de 2022, ou 2026 (já que as de 2018 estão
“reservadas” para a devolução ao padrinho Lula). De novo, não
surpreenderia se Dilma estivesse se imaginando como mentora da
Presidente Kátia. Os sinais de gratidão de Kátia a Dilma, que de certa
forma também nunca deixou de ser uma estranha no PT, são constantes e
inequívocos.
Tudo
isso, obviamente, se dá na contramão do “PT de esquerda” que foi
vendido na campanha eleitoral. Mas campanha é campanha, governo é
governo. O eleitor dilmista que caiu no “transe esquerdista” está tendo
que encarar muito rapidamente a realidade. As opções para a equipe
econômica são de fazer inveja não a Marina Silva (que foi acusada
falsamente de “candidata dos banqueiros”), mas ao próprio Aécio (Joaquim
Levy colaborou com a campanha do senador mineiro).
A
inédita desonestidade e a chantagem social da campanha petista é bem
analisada em entrevistas não só com o marqueteiro de Aécio, Paulo Vasconcelos, mas também com um eleitor no segundo turno da própria Dilma, o sociólogo Rudá Ricci
– que descreveu o método de desconstrução dos adversários pela
“demonização”. O susto do eleitor dilmista e das organizações de
esquerda ao acordar com a indicação da direitista mais truculenta do
Brasil tem o tamanho desse engodo. E as reações têm sido intensas.
O
caso Kátia Abreu, na verdade, representa o verdadeiro terceiro turno
das eleições. Não entre PT e PSDB que, como acabamos de conferir, têm as
mesmas concepções econômicas e o mesmo carinho pelo assim chamado
“mercado”. Mas entre os dois PTs: o de verdade, pragmático no modo de
governar, e o fantástico “PT de esquerda” que foi vendido na campanha. O
caso também poderia ser chamado de “Dilma e seus dois amores”. Lula ou
Kátia? A burocrata Dilma parece empenhada em interferir nas próximas
eleições presidenciais mais até do que se espera dela (seguindo os
passos de seu mentor Lula, que também “criou” Marina e Eduardo Campos). A
acompanhar.
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