O problema não são os “petralhas”, são os petrouxas
Alex Antunes
4 de janeiro de 2015
Tentam
criar um movimento de simpatia por Dilma, “agredida” pelas brincadeiras
comparando a presidente na posse a um bujão de gás. De fato, como no
episódio dos xingamentos nos estádios da copa, dá para rastrear o
conteúdo machista da coisa. E, de fato, como a presidente se veste ou
deixa de se vestir não tem nada a ver com seus (de)méritos políticos.
Acontece
que: a) Dilma não é, nem de longe, uma guardiã da dignidade nacional.
Pelo contrário, suas indicações para o ministério e outros escalões
deixam clara a urgência de se compor ainda mais visceralmente com tudo
que a política nacional tem de grotesco, atrasado e patriarcal, dos
coronéis tiozões estupradores acaju aos pastores e estalinistas
ancorados nos séculos passados.
E
b) é irreversível o processo de transformação de Dilma em uma figura
ridícula, uma pseudogovernante à deriva entre o colapso do projeto
político do PT e sua própria falta de estofo. O que resta para defender
agora não é Dilma, mas a ilusão de seus eleitores de que de alguma
maneira ela representaria algo socialmente mais aceitável que Aécio – ou
Marina. Por falar em Marina, não me lembro de que a militância petista
tenha se incomodado com as calúnias e ofensas de campanha contra esta
outra senhora, ex-companheira, e (ela sim, por seu histórico combativo)
um “Lula de saias”.
Está
derretida a narrativa novelesca do “coração valente”. E o que sobra (ou
o que sempre esteve lá) é a burocrata limitada, irascível e metida a
centralizadora da economia (e inimiga da cultura) de sempre. Que se
descontrola quando um deputado petista como Marco Maia sugere, muito
sensatamente, que a diretoria da Petrobrás encabeçada por Graça Foster
poderia ser substituída – coisa que seria a primeira opção num contexto
político mais racional, fosse essa diretoria diretamente culpada pela
corrupção ou não.
Do
novo ministério, meus “prediletos ao contrário” são Kátia Abreu na
Agricultura, militante da destruição do meio ambiente, do assassinato de
índios, da grilagem de terras e do trabalho escravo; Aldo Rebelo na
Ciência e Tecnologia, igualmente inimigo do meio ambiente, e até da
própria inovação tecnológica; o pastor George Hilton nos Esportes,
absolutamente ignorante na área, ou em diversas áreas (voltaremos a
esses dois). Claro, há vários outros nomes problemáticos, como Helder
Barbalho, o filho do ícone da corrupção, Jader; Eduardo Braga (que é um
dos novos ministros que sofrem processos judiciais, ao lado de Helder e
Kátia); Gilberto Kassab; Eliseu “Quadrilha” Padilha etc. Tem para todos
os desgostos.
Quanto
à equipe econômica, nem interessa se é boa ou não: interessa que ela
representa a política de Aécio – piorada. E que é a negação perfeita de
tudo que Dilma disse em campanha. Se era para fazer isso, não seriam
Dilma nem o PT os indicados a conduzir o processo. Os inevitáveis
encontrões já começaram, com Dilma mandando Nelson Barbosa, o ministro
do Planejamento, se retratar de suas primeiras declarações no cargo (aqui uma boa análise, pela esquerda).
E
nem falamos ainda de cargos-prêmios-de-consolação em outros escalões,
para gente como Garotinho. É muito simbolismo errado, para uma ou outra
migalha inteligente e positiva, como a volta de Juca Ferreira à Cultura
(que já avisa, cauteloso, que o começo de mandato não será fácil).
Surpreendendo
quem achava que não haveria catástrofe maior no ministério do que a
indicação de Kátia Abreu (eu desenvolvo o assunto neste texto, KA é o terceiro turno: entre PT e PT),
as escolhas infelizes de Aldo Rebelo e George Hilton são talvez ainda
mais chocantes. Entre outras bobagens nacionalistas e pseudomarxistas de
Aldo, como a tentativa de instituir o Dia do Saci e de barrar o uso de
estrangeirismos, destacam-se uma lei contra a inovação tecnológica, e sua incrível declaração antifloresta, como se segue.
“Assim
se apresenta o caso da conquista econômica da Amazônia: luta tenaz do
homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de vitalidade
da floresta e contra a desordenada abundância da água dos seus rios.
Água e floresta que parecem ter feito um pacto da natureza ecológica,
para se apoderarem de todos os domínios da região. O homem tem que lutar
de maneira constante contra esta floresta que superocupou todo o solo
descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre, inclusive o
homem, sob o peso opressor de suas sombras densas, das densas copas
verdes de seus milhares de espécimes vegetais, do denso bafo de sua
transpiração. Luta contra a água dos rios que transformam com violência,
contra a água das chuvas intermináveis, contra o vapor d’água da
atmosfera, que dá mofo e corrompe os víveres. Contra a água estagnada
das lagoas, dos igapós e dos igarapés. Contra a correnteza. Contra a
pororoca. Enfim, contra todos os exageros e desmandos da água fazendo e
desfazendo a terra. Fertilizando-a e despojando-a de seus elementos de
vida. Criando ilhas e marés interiores numa geografia de perpétua
improvisação, ao sabor de suas violências”, disse Aldo, citando Josué de
Castro, em seu parecer sobre o Código Florestal. Começo a desconfiar que a guerrilha do Araguaia, conduzida por seu partido, o PC do B, era contra… o mato.
Já sobre o pastor George Hilton para os Esportes, não há muito a acrescentar ao que Juca Kfouri revela aqui e aqui.
O autodenominado “radialista, apresentador de televisão, teólogo e
animador” foi expulso do PFL, que não era nenhum campeão de ética, por
tráfico de dinheiro. E representa não se sabe o que no ministério, em
época de preparação de Olimpíadas. Talvez proceda a especulação de Janio de Freitas,
em sua coluna de hoje, que nota que (além de Hilton em Brasília) “em
Minas o governador Fernando Pimentel entregou a secretaria de Esportes a
um pastor. Geraldo Alckmin nomeou um pastor para sua secretaria de
Esportes. Os três são pastores da igreja Universal (…) Só na aparência o
estado do Rio fica fora dos domínios da Universal. A secretaria de
Esportes do governo Pezão foi dada a um jovem filho de Cabral, o que
significa entendimento com a igreja de Macedo”.
Mas o que explica essa desgraça anunciada do novo ministério Dilma? Nesta outra interessante análise pela esquerda,
André Singer (que chama as escolhas de kafkianas) lembra que “com o
megaescândalo da Petrobrás, o intuitivo seria Dilma nomear um honrado
ministério técnico de alto nível (…) Isso a blindaria contra qualquer
possível denúncia. Porém, por mais paradoxal que pareça, à medida que as
revelações prosseguem, a presidente fica refém da opção oposta. Ocorre
que Dilma precisa munir-se agora da maior base congressual possível,
pois quando o navio começar a balançar, os mais fisiológicos irão rápido
para a oposição, tornando o palácio alvo de isolamento e chantagem. Mas
para montar tal suporte, ela precisa recorrer exatamente àqueles que
estão na mira da Operação Lava a Jato (…) Em outras palavras, para
proteger-se do escândalo, precisa apoiar-se nos que estão nele
enredados”. O colunista tem enfocado com precisão esses paradoxos da
eleição de Dilma, como fez aqui e aqui . Singer foi porta voz da presidência, no primeiro governo Lula.
Fica
claro, com o choque de realidade após o delírio esquerdista das
eleições, que o problema não são os supostos “petralhas”, ou seja, a ala
corrupta do PT (que existe, como de resto, em qualquer partido que
chegue ao poder). O problema é o que poderíamos chamar de petrouxas, ou
seja, quem acredita num “petismo mágico” – segundo o qual basta “votar
certo”, no personagem “do bem”, para que a política se mantenha no curso
de correção. Ou talvez pelo anseio de uma “alma coletiva”, como provoca Claudio Tognolli.
Mas, ao contrário do que creem os petrouxas, o PT tem canalizado o
oposto dos anseios de melhoria do país, tentando varrer suas mazelas
para baixo do tapete – e transformando-as assim em mazelas nacionais.
O
PT descuidou do Brasil. É incapaz de dar conta de um certo anseio de
moralidade. Esse anseio não é 100% “errado”; as pessoas têm direito a se
sentirem num ambiente seguro – a definição do que é “seguro” é que
depende do preconceito delas. Mas, defensivamente, o petismo
desqualifica esse anseio, para não ter que pedir desculpas pelos erros
no exercício do poder (mesmo tendo sido esse impulso moralizador um dos
componentes centrais do seu sucesso eleitoral). A dívida política do
país com Lula não só já foi paga (na primeira eleição de Dilma), como
agora já estamos entrando fundo no prejuízo.
Aliás,
foi de Lula o lance mais estranho (ou não), nos últimos dias. Ele se
diz insatisfeito com o novo ministério de Dilma – de quem é não apenas o
mentor, mas o fiador político e, literalmente, o inventor (já que Dilma
não tem nenhuma história política pregressa notável, a não ser a
passagem pela guerrilha). E que vai montar um grupo político para abrir
uma interlocução com os movimentos sociais – esses mesmos que estão
sendo desdenhados, após terem reeleito Dilma, por estreita margem –,
para “pressionar a presidente” nos próximos quatro anos. Já Dilma
confidenciou aos colaboradores que nunca se sentiu tão “livre” (de Lula e
do PT, supõe-se). Resta saber se é tudo jogo de cena, ou se Lula foi
escanteado mesmo. Ou seja: saber se Lula é o supremo petralha, ou o
supremo petrouxa.
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