RELEMBRANDO...
O chilique chantagista do PT
Alex Antunes
12 de outubro de 2014
O
psiquismo petista, nos últimos dias, entrou em um estado de alucinação
coletiva. É difícil entender, de um ponto de vista de esquerda, que tipo
de “estratégia” poderia levar a escolhas políticas e de comunicação tão
erradas, numa véspera de eleição tão delicada.
A
ideia de que vivemos num país cindido de cima a baixo (ou, mais
exatamente, na linha de fronteira entre o Espírito Santo e a Bahia)
sempre foi alimentada pela direita alarmista. É a direita que gosta de
teses bisonhas como a da preparação de um “golpe comunista” (exatamente
por um governo refém do crescimento do consumo, como o de Dilma?).
A
eleição de Lula, e sua melhor fase no governo, baseou-se exatamente no
sentimento contrário. Foi o cacife popular (e populista) de Lula que
permitiu estabilizar a economia com ferramentas da ortodoxia de mercado,
e iniciar uma distribuição de renda. Lula sim é que executou uma frase
famosa dita pelo então ministro Delfim Netto durante a ditadura, “é
preciso que o bolo cresça para depois dividi-lo”.
Confrontada
com a “ameaça” das eleições, Dilma perdeu completamente a mão. Eu sei
que as principais decisões de campanha são tomadas pelo marqueteiro João
Santana (foto), mas todo publicitário sabe que o marketing tem que
manter alguma relação com o “produto” (a candidata, o partido) para não
soar completamente falso.
Depois de todas as suposições otimisticamente erradas que fez antes da campanha, Santana sabia que enfrentar Aécio num segundo turno seria uma arapuca. Mas não soube como dosar os ataques a Marina Silva para evitar o reempoderamento de Aécio Neves. Aécio que num determinado ponto da campanha do primeiro turno estava totalmente batido, como bem nos lembramos (afinal faz apenas seis semanas).
Foi
o psiquismo petista que levou à agressiva desconstrução de Marina no
primeiro turno. O efeito colateral foi turbinar Aécio de novo. E é esse
mesmo psiquismo que está esboçando a derrota do PT diante do candidato
do PSDB. De fato, a campanha de João Santana passou um tanto dos limites
contra Marina – mas serviu de mote para que a militância passasse muito
mais.
Marina
não é uma candidata fácil de administrar. Passa muito o recibo de que a
realidade é complexa (porque é mesmo), e às vezes é até melhor buscar
um bom oráculo para produzir uma chispa de sabedoria em momentos
difíceis, do que confiar em “lógicas” e certezas ilusórias (o que
provocou chacota contra seu hábito, nesse sentido até saudável, de
consultar a bíblia em busca de um insight).
Marina
portou-se um tanto como Lula, ao tentar abraçar forças dicotômicas. Mas
Lula executou essa manobra como um tio conciliador, boa praça e
cervejeiro, e Marina queria executá-la com base em uma fala severa
(pode-se dizer também que severidade é um elemento que está faltando muito na nossa política).
Era
relativamente fácil de desconstruí-la, com base no anseio popular por
um candidato com superpoderes e soluções fáceis. Mas algumas escolhas
moralistas da campanha funcionaram bem demais. Foi o caso dos ataques à
educadora Neca Setubal, que é dona de menos de 2% do Itaú, e foi
apresentada como uma representante dos banqueiros na campanha de Marina,
quando era exatamente o contrário (uma figura abastada porém simpática
ao ativismo social e ambiental, ou seja, algo que absolutamente nos faz
falta no contexto brasileiro).
O
mesmo com os ataques à posição do programa de Marina relativizando a
importância do petróleo como combustível (o mote do “poderio do pré-sal”
foi abraçado com gosto pelo sindicalismo mais simplório); e a semântica
irrelevante do ambientalista Chico Mendes ser “elite” ou não (é óbvio
que qualquer liderança social pode ser chamada de elite, se se atribuir
um significado positivo à palavra). E assim por diante.
Os
petistas bateram com gosto (e injustiça), enquanto Marina era levada às
cordas e não tinha tempo nem habilidade para se explicar. E assim
perdeu-se o momento mágico: um cenário em que duas mulheres, vindas do
campo da esquerda, uma delas negra, disputariam o segundo turno mais
qualificado da história eleitoral do Brasil. Esse teria sido o grande
legado de Lula ao país: o embate de suas duas ex-ministras. Escrevi já
um pouco sobe isso neste texto, O desserviço final do PT ao Brasil.
Acontece
que na equação petista não entrou um elemento: o fato de que o partido
vem construindo, ao longo do tempo, uma sólida antipatia em setores da
sociedade. Não só os da assim chamada direita, que repelem o PT pelas
razões erradas (aversão aos programas de inclusão social e de
horizontalização da sociedade), mas também com setores que têm uma
percepção mais “à esquerda”, ou com preocupações sociais. E é aí que
começa o grande problema para o PT.
No
seu curso à direita, nestes 12 anos de poder, o partido foi de enorme
inabilidade política, ao deixar se romperem os laços com muitos
movimentos sociais. Os ápices da incompreensão foram junho de 2013 e as
manifestações contra os gastos na Copa, em que o PT alienou e tratou
como inimigos aqueles que seriam aliados naturais.
Substituiu-os
por bagaços políticos que o próprio PSDB havia abandonado à sua sorte,
como Sarney, Maluf, Collor etc. Lula, o “tio conciliador”, teve a ideia
duvidosa de chamar para si esses resíduos do pior da política do século
passado, contando controlar e alimentar um pouco os seus minguantes
poderios locais. Perdeu parte da credibilidade à esquerda, sem ganhar
nenhuma à direita.
O
mesmo erro aconteceu com os políticos neopentecostais, que Lula, num
primeiro momento, também supôs que controlaria politicamente, como
contrapeso à influência da igreja católica nos seus ambientes políticos
de origem – os mesmos que fundaram o PT. E essa origem psicossocial
igrejeira e sindical do PT merece um comentário à parte.
Certamente
ela tem a ver com esse psiquismo petista que agora fugiu ao controle: o
de que toda a complexidade social, cultural e política nacional se
reduz a um “eles contra nós”, um “nós que temos o monopólio das boas
intenções”, um “exigimos um voto de confiança contra os bandidos”. E
ninguém vê isso de fora.
Esse
paradoxo se apresentou na época da denúncia do mensalão, em 2005. Foi
quando uma ala petista com um pensamento político mais saudável falou em
“refundação do partido” – e não em tentar varrer o problema para baixo
do tapete (não deu certo, como vimos).
Essa
duplicidade petista, que é tão estranha e indigesta vista daqui, vista
pelos petistas parece gerar ainda maior aflição e urgência. E
inconveniência. No momento em que precisa atrair eleitores à esquerda
(porque os de direita já estão perdidos para o Aécio), a campanha dá
destaque à senadora ruralista Katia Abreu? Exatamente a que é conivente
com o armamento de fazendeiros para o assassinato de índios?
No
momento em que é confrontada com mais um escândalo na Petrobrás, Dilma
discursa contra a corrupção… tendo ao seu lado, no mesmo palanque
alagoano, representantes clássicos da corrupção como Collor e o filho de
Renan Calheiros? No momento em que mais precisa do voto paulista
(estado central na história do PT, cuja capital já elegeu Erundina,
Marta e Haddad), incentiva o mito de que o estado só tem reacionários?
Laura Capriglione desenvolve o assunto em seu blog:”Bairros
pobres e históricos redutos do PT, como o Campo Limpo, na zona Sul,
terra onde vive Mano Brown, por exemplo, ou Itaquera e São Miguel
Paulista, na zona Leste, sufragaram mais Aécio do que Dilma. Capela do
Socorro, lar do sarau da Cooperifa, do poeta Sergio Vaz, também. E a
Pedreira, Ermelino Matarazzo e Cangaíba (…) Vai falar lá que aquela
gente morena, parda e preta, que eles são a elite branca, fascista,
oligarca ou coisa que o valha”.
Dilma,
o PT e a militância deveriam tratar a questão com mais desassombro e
delicadeza (até porque, na verdade, qualquer presidente eleito estará
subordinado exatamente às mesmas forças políticas, representadas no PMDB
e nos partidos fisiológicos, e não no PT nem no PSDB). Mas certamente
estão alienando mais ainda os eleitores que perderam nos últimos anos.
Parece
difícil, a esta altura do campeonato. Sem que haja o menor motivo
prático, os petistas continuam agredindo não só Marina, mas quem pensou
em votar nela, naquele não tão distante momento em que o Brasil quase
teve uma eleição presidencial decente.
O
PT surtado se parece muito com a caricatura, chantagista, desleal e
descompensada, que os colunistas de direita tanto gostam de fazer dele. E
parece querer confirmar a tese de que só na oposição poderá se
requalificar na importância política e social que já teve.
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