segunda-feira, 28 de dezembro de 2015



Sem as ruas, enredo para impeachment de Dilma muda

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O impeachment de Dilma pode até acontecer, não se sabe, mas até aqui a sua narrativa (tão necessária ao processo) não deu liga. Por esta narrativa, o número de pessoas nas ruas pedindo a saída de Dilma deveria vir num crescente, o que não ocorreu ao longo do ano, pelo contrário. As ruas não se encheram no último domingo e não foi por falta de tempo de convocação, como alegaram seus organizadores, pois manifestações recentes de vulto no Brasil tem ocorrido da noite para o dia – quando tem que ser, são. 
Sem as ruas, o quebra-cabeças do afastamento de Dilma perde uma peça importante. Mas não é só isso. Para o impeachment deveria haver um crime de responsabilidade, algo que a envolvesse diretamente, o que, pelo menos até aqui, não apareceu. Invocar o descumprimento da lei de responsabilidade fiscal, com toda a carga política que envolve tanto a aplicação como a interpretação de leis do tipo, é uma estratégia arriscada e que poderá abrir precedente, no futuro, para se destituir representantes eleitos a partir de interpretações de leis, estas, particularmente no Brasil, utilizadas ou não conforme a conveniência do momento. A lei não existe por si só, sua interpretação no mais das vezes depende de disputas de forças. Nesse jogo como fica a democracia?
E principalmente: para o impeachment teria de haver um projeto alternativo que empolgasse, o que também não existe. Ou alguém acredita que a tão necessária reestruturação da política brasileira vai ser comandada por políticos como Temer ou Cunha? Tirar Dilma em nome de qual projeto, afinal? Na economia – que é onde o calo aperta e o povo sofre com o desemprego e queda de renda – Dilma fez em 2015 o que seus adversários provavelmente teriam feito caso (vejam bem: caso) tivessem ganho a eleição. Se assim é, o que se oferece? Ética? Quem na política brasileira atual se apresentaria como a vestal salvadora da moral e dos bons costumes? Vale lembrar que se 65% querem o impeachment de Dilma, outros 81% querem a cassação do mandato de Cunha, o homem que acolheu o pedido contra a presidente e em tese deveria conduzir o processo. 
Juntando os cacos, fica difícil enxergar, até aqui, o enredo para tirar Dilma. Mas o Brasil vive a era da imprevisibilidade. É possível que Dilma caia mesmo sem um script óbvio. Por esta via, a Câmara vota: são necessários 342 votos. Coisa que não parece tão fácil assim de obter, do contrário a oposição não demonstraria interesse em arrastar o processo, como se desenha agora. Nestes termos, a oposição estaria à espera não das ruas, mas da Lava Jato e suas cartadas desconcertantes, capazes de mudar a dinâmica do jogo. Mas é um caminho arriscado: são mais de cinco dezenas de políticos investigados. O fogo pode espalhar para qualquer lado. Em termos de opinião pública, a Lava Jato, no que pese seu alvo midiático ser Lula, parece dialogar mais com o sentimento difuso do “que se vão todos” do que com o impeachment presidencial.
A sensação é que o atoleiro brasileiro de 2015 vai escorregando para 2016. Com a situação econômica ruim, porém, há pressa para que a política seja parte da solução e não mais do problema na vida dos brasileiros.
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Lava Jato, Cunha, impeachment e a demolição da política brasileira

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Com Eduardo Cunha, dois ministros, deputados e a sede do PMDB em Alagoas sendo alvo de cumprimento de mandados de busca & apreensão pela PF, como aconteceu esta semana, a Lava Jato impõem à política seus ditames. Se a Lava Jato fosse um estilo musical, este seria um dramático tango argentino, com picos de tensão, paradas, suspenses, rodopios (seus dançarinos a imagem de uma República que precisa reencontrar seu passo). 
Aos poucos a Operação, deflagrada em março de 2014 como uma investigação sobre doleiros, vai demolindo a política brasileira tal qual a conhecemos. O que sairá disso só pode ser imaginado como ficção. Por ora o que se pode antever é uma imensa pororoca com o timing jurídico-policial se juntando ao calendário de um impeachment que provavelmente chegará ao plenário da Câmara, mas em futuro incerto. Olhando o quadro hoje, a Lava Jato é mais importante do que as “ruas” para o desfecho da novela de Dilma, ao mesmo tempo em que a Operação é bem mais ampla, em seu alcance, do que uma mera troca de fusíveis no sistema político.
A opinião pública aplaude. A política está no fundo do poço. Os partidos rejeitados. Não são confiáveis para 99%, apontam pesquisas. Oito em cada dez brasileiros querem a cassação de Cunha (outros 65% o impeachment de Dilma). Em finais de novembro o Datafolha divulgou que 53% dos brasileiros consideram que o desempenho de deputados e senadores é ruim ou péssimo – a pior avaliação desde 1993, quando explodiu o escândalo dos Anões do Orçamento (emendas parlamentares direcionadas em troca de favores). Para um terço da população corrupção é o principal problema do país. São muitos os dados, números e sinais de que a política, de fato, pifou.
Policiais realizando buscas em residências oficiais em Brasília – e tendo seus agentes filmados por helicópteros da TV – não são uma novidade. Em julho a PF fez operação semelhante, a “Politeia”, expondo para as TVs carros apreendidos na casa do senador Collor. De lá para cá quase tudo aconteceu. Um senador (Delcídio) foi preso, fato inédito, quando o STF institui que vivemos um “estado de flagrância”. Agora, a dança é com o PMDB e parte de seus caciques. 
Com o impeachment na pauta – e com as ruas sem roncar – a Lava Jato vai moldando a política nacional ao mesmo tempo que construindo os andaimes de suas soluções. O povo aguarda. É preciso um novo ciclo, com ou sem Dilma.
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Marcha contra ‘ditadura’ tem hostilidade contra jornalistas. Já vimos este filme

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Amigos que estiveram nos protestos contra Dilma Rousseff a trabalho, no último domingo, se queixaram da virulência de parte dos manifestantes em relação à imprensa. Sobrou para Globo, o Estadão e a Folha – meses atrás, um colega da CartaCapital teve de sair pelos fundos, escoltados, ao ser identificado.
Um dos líderes do movimento, que defende bala na testa de político e que há alguns meses posava com faixas anticorrupção no gabinete de um deputado acusado de corrupção se queixou, no Facebook, das perguntas de um jornalista da TV Globo sobre Eduardo Cunha (PDMB-RJ).
Não bastasse o (não) constrangimento em desfilar na mesma linha de nomes como Alexandre Frota, o dublê de ator que acha divertido falar sobre abuso sexual na TV, e Jair Bolsonaro, deputado que diz em público quem merece ou não ser estuprado ou torturado, os militantes da moralidade política parecem simpáticos também à estratégia usada pelos inimigos da esquerda em constranger jornalista quando não têm resposta para os questionamentos.
A ala governista que ataca e/ou debocha dos profissionais da imprensa que perguntam o que querem têm uma concorrência à altura na outra margem do pensamento binário.
Curiosa essa forma de manifestação democrática. Daqui a pouco vão exigir lista prévia do que pode e do que não pode ser perguntado. Depois, o que pode ou não ser escrito. Parece que já vimos este filme antes.
Fotos: Manisfestantes reúnem-se na avenida Paulista, em ato contra o governo Dilma Rousseff (André Tambucci/ Fotos Públicas)




Chico Buarque: o caipira da assídua acídia morreu com o fim da ditadura

O que é uma metáfora? A Poética de Aristóteles dá a explicação mais simples: é empregar uma palavra no lugar da outra.
Toda a arte nasce da repressão, notava Freud –de resto, o grande tema do Mal-estar na Cultura e na Civilização. Simples assim: o mar bravio cutuca a ostra, lhe impõe doses e doses de cáustica areia corrosiva: esta, agredida em seu eu mais sensível, devolve a agressão com uma cálida resposta: uma pérola.
Bonitinho, não?
A ditadura machucava a sociedade. Chico Buarque fugia do látego da censura com suas pérolas reativas. E sua obra fez-se o que se fez com o uso daquelas marotas metáforas que encantavam os baianos que gostam de cantar na televisão, como Gil e Caetano. Chico era nossa metáfora mais potente.
Óbvio que disto brotavam aquelas  imagens polaroidemente pesadonas, “a medida do bonfim”, “o cálice” e o escambau a quarto. Tom Jobim era mais pop, por isso tão aceito lá fora: gostava do pau, da pedra, do fim do caminho. Odiava uma metáfora. E a gringada, acostumada que era a cantar “o bladí, o bladá”, “hey hey”, “doo doo doo da da da” abriu-lhe os braços. Tom era elástico, leve. Chico sempre foi pesadão: um octagenário nato, na frase de Nelson Rodrigues sobre Ruy Barbosa..
Preguiça traz ócio criativo. Chico é de uma outra classe de luz: a chamada acídia. Trata-se daquela má qualidade mórbida, a que o filósofo Jean Lauand definiu como “a acidez, a queimadura interior”. Acídia é morbidez.
Chico sempre foi um mórbido vocacional. Só os mórbidos e jeca amaram Chico ao osso.
Tomás de Aquino emprega 233 vezes a palavra acídia, em 134 passagens de sua obra. Não é pouco.
Pois bem: Chico Buarque, o Rei da Acídia, que também era o Rei da Metáfora, viu sua obra cair no buraco quando a ditadura acabou.
Encerrada a ditadura, acabou a censura, para que então as metáforas? O fim da ditadura foi também o fim de Chico Buarque. Freud dançou um mambo de alegria em seu túmulo.
Agora: por que criticar Chico pela suas idas e imóvel em Paris?
Não entenderam ainda a esquerda caviar?
Ganha-se muito dinheiro criticando o capital. O Pink Floyd ficou rico com uma música contra o dinheiro, chamada “Money”.
A esquerda caviar sempre viveu de criticar o capitalismo mas desfrutar dele o que tal sistema pode oferecer de melhor (para eles): o consumo e a luxúria. Não viram quantas hidromassagens o caipira Zé Dirceu comprou com a grana do Petrolão.
Vamos lembrar.
O lobista Milton Pascowitch pagou R$ 1,8 milhão para reformar e decorar uma casa para o ex-ministro José Dirceu em Vinhedos, no interior de São Paulo, em 2013. O valor, declarado pela arquiteta Daniela Facchini em depoimento prestado à Polícia Federal (PF) em agosto passado. Um conjunto de sofás, poltronas, mesas de centro e aparador para a sala de estar custou R$ 140 mil. Para colocar persianas em todas as janelas do imóvel foram gastos R$ 31 mil. A lista de compras inclui, ainda, pufes que custaram R$ 4,3 mil cada.
O jeca anti-capital montou uma mansão com nossa grana bem lá naqueles rincões a que Marx chamava de “a idiotia do campo”.
Viram? A orbe de Dirceu sempre foi o mesmo mundo de Chico Buarque: falar mal da grana e se cevar do capitalismo.
E por que Chico e Dirceu encantaram tanto os incautos? Porque na América Latina em geral, e no Brasil em particular, Marx e Cristo se deram as mãos. O catalisador disso foi a figura do padre de passeata, aquele cantava Chico nas pracinhas –e o recomendava nos seminários.
Sobre o padre de passeata, estabeleceu Nelson Rodrigues:
“O verdadeiro Cristo? É o Cristo verdadeiro. O falso cristo é o cristo dos padres de passeata. Há um cristo de passeata que é mais falso do que Judas. É a igreja dos padres de passeata. Eu sou cristão, mas não me venham falsificar Cristo como uísque nacional”.
As alvíssaras de O Manifesto do Partido Comunista ou A Ideologia Alemã (nesta, em particular, diz-se que com a supressão do capital poderei, enfim, “de manhã caçar, de tarde pescar, de tardinha criar gado, depois da comida criticar, sem me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico, do modo como eu tiver vontade) dão as mãos para o Sermão da Montanha: o homem rico proibido de entra no reinos dos céus é jesuiticamente irmão espiritual do comunismo: Marx e Cristo se dão as mãos no quesito fuzilar o capital. Ambos os sistemas sonham com a supressão da fricção – de resto,  segundo Benedetto Croce o verdadeiro motor da história…
Veja bem: Marx e Jesus se unem sob a túnica do padre de passeata.
Chico Buarque, Mensaleiros e Petroleiros embalavam as cantigas de ninar do populacho com suas alvíssaras contra o capitalismo.
Perdoem Chico Buarque, perdoem Zé Dirceu: eles foram sempre muito coerentes em suas incoerências…
 Detalhe: na Décima Quarta Flip, em Paraty, Jaguar lembrou da cusparada que Chico deu em Millôr. Sabem por quê? Millôr lhe disse: “Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal”…
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Quem já está com o “presidente Temer“: mais gente do que você imagina



A narrativa dos governistas não muda a realidade – apenas a mascara. O discurso binário governista de que Cunha e o PT estão em campos opostos cola até certo ponto. Nesse caso, as operações e apreensões de ontem deveriam significar um alívio para Dilma e o partido, certo? Errado.
Na verdade, o dia de ontem foi um pesadelo para o planalto. Assim que for retirado do tabuleiro político (é impossível que ele conduza mais algum passo importante no processo de impeachment), o presidente da câmara deixará um buraco na narrativa de vitimização do PT.
Pior, a pressão sobre o PMDB é favorável ao objetivo do vice-presidente Michel Temer de coesionar o partido em torno de si. A teimosia do PT em trazer de volta à liderança do partido na câmara o aliado Picciani funciona ao contrário. O dilmista mais importante do partido, o presidente do senado, Renan Calheiros, que já se enxergava no embate com Cunha como o grande fiador da república (e do processo de impeachment) tomou uma bomba no meio do casco. Visivelmente abalado, Renan vai ter que reavaliar suas pretensões protagonísticas, e pender para onde for (minimamente) mais seguro. De cara, desembarcou da estratégia do governo de suspender o recesso do congresso, e a inviabilizou. Evidentemente o procurador geral Rodrigo Janot sabe no que está cutucando, e nas consequências que isso trará para o planalto.
Hoje, o Supremo Tribunal Federal dificilmente reverterá o andamento do impeachment – apenas o regrará. Há quem diga que o ministro Fachin proporá inclusive a aceitação da votação secreta que elegeu a comissão majoritariamente anti-Dilma, o que começa a abrir a porteira para o afastamento da presidente.
E, ao contrário do discurso governista, isso não é um “golpe”, mas uma necessidade absoluta para destravar o país. Faz tempo que o governo Dilma perdeu qualquer resquício de autoridade para organizar em torno de si alguma solução tanto para a crise política quanto para a econômica, e isso concretamente está sufocando o país. Já em março, eu especulava que Talvez a defesa da democracia dependa de derrubar Dilma. Era uma tese então controversa, mas estamos muito próximos do momento em os agentes políticos custurarão algum acordo excluindo a atual presidência.
Evidentemente seria de se esperar que o petismo tentasse se manter motivado. Mas a escolha bisonha de narrativas contra os contra – por exemplo, tentar desconstruir bobamente o pato da Fiesp ou a participação bizarra de Alexandre Frota nas manifestações de domingo – tem o efeito de desviar o assunto principal, e desinformar a população.
Na verdade, para quem está realmente no centro político, talvez esse desvio de holofotes seja oportuno. O que está se negociando não é um governo puramente do PMDB. É um governo do vice Temer tutelado pelas elites jurídica e política (peessedebista) “clássicas”, digamos assim, um governo Temer com a cara de FHC, de Nelson Jobim, de Gilmar Mendes. O próprio (e oferecido) José Serra, que já se via como ministro da economia num governo do vice, já foi informado que será alocado numa área menos sensível (no caso a sensibilidade dos donos do PIB). Fiesp e PSDB já assumiram o impeachment; vai demorar muito pouco para o ministro Levy sair e sinalizar o abandono de Dilma pelo mundo financeiro.
A gritaria petista a respeito de estarmos ameaçados por fascistas, por uma volta à ditadura, com repressão aberta, só serve para jogar uma cortina de fumaça nas possibilidades reais – na verdade, a iniciativa que mais nos aproxima do arbítrio é uma proposta petista, a lei antiterrorismo. A volta de casinhas no jogo deve nos colocar circa 1997, com a compra de votos por FHC pela emenda da reeleição, e não 1964 ou 1968. Um jogo pesado e corrupto, claro, mas marcado mais por interesses políticos das elites do que essa guerra de ladrões de galinha na qual a tosca política de alianças do PT nos precipitou.
Temer, na verdade, é uma espécie de peessedebista deixado para trás, na saída do PMDB. Não sei se o PSDB fazia alguma ideia de como ele ainda viria a ser útil, mas é uma manobra de certa elegância política antiga, como faziam as velhas raposas. Devem ser sacrificados no processo figuras do PMDB podre como Cunha e Renan e, da parte do PSDB, não seria absurdo supor que o próprio Aécio acabaria rifado. Ele domina uma parte da máquina do partido, claro. Mas, num contexto de limpeza da casa (a república), não seria impossível fazer liberar algo de seus porões corruptos para atrapalhá-lo.
E o PT, evidentemente, será varrido inteiro para o lixo. Revelações catastróficas para o partido, para Lula e para Dilma devem surgir das delações. A mais chocante, vinda de José Carlos Bumlai, o “amigo de Lula”, é a de que 12 milhões que ele recebeu do banco Schahin (ou parte) foram não apenas para o PT, mas para pagar o chantagista Ronan Maria Pinto. E acobertar os fatos sinistros do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Coisa muito feia e perturbadora.
Mas os petistas preferem reproduzir a fábula simplória da briguinha contra Cunha. E o próprio Cunha, esperneando por sua salvação impossível, alimenta o noticiário – por exemplo mandando a mesa diretora da câmara anular a reunião que deu seguimento ao seu próprio processo de cassação. Quando o roteiro todo se revelar, o “grande” vilão Cunha será apenas um detalhe na derrubada da presidente, e na derrocada do PT. Será chocante para muita gente, que acredita hoje na narrativa de superfície.
Isso não é necessariamente péssimo para o país. Esses três anos com Temer – que se esmerará para não ser o pior dos presidentes, e terá um certo apoio para não fazer muito feio – serão tempo para uma reorganização de forças políticas mais com a cara deste século, e não de resíduo do século passado.






Para juízes, processo de impeachment 
é político; para advogados, é jurídico

Desde que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o país não fala em outra coisa. Nesse debate acalorado, uma questão tem chamado a atenção: a parcela de participação do Judiciário nesse processo que, pela Constituição Federal, é de inteira responsabilidade do Congresso Nacional. A ConJur ouviu os operadores do Direito sobre o assunto e constatou que o tema divide opiniões.
De modo geral, os advogados ouvidos na reportagem tendem a valorizar o aspecto jurídico do processo de impeachment, enquanto os juízes destacam que a decisão tem um viés político mais acentuado. Os especialistas foram ouvidos na noite desta quinta-feira (10/12), durante o lançamento doAnuário da Justiça do Rio de Janeiro, na sede do Tribunal de Justiça fluminense.
Desembargadores Carlos Santos Oliveira e Siro Darlan, desembargador aposentado Raul Celso Lins e Silva e advogados Sergio Tostes e Gustavo Brigagão, no TJ-RJ.
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho sustenta que o processo de impeachment tem aspectos jurídicos mas é de cunho marcadamente político. "O procedimento é jurídico, e por isso torna necessário que seja provado um eventual crime para que haja condenação", diz ele. "Essa vertente jurídica também garante ao acusado o amplo direito de defesa". Mas todo o processo se desenrola no ambiente político. 
Para o desembargador Siro Darlan, o impeachment é um processo iminentemente político e as questões jurídicas suscitadas no debate são usadas de acordo com a conveniência política. “As questões jurídicas muitas vezes ficam em um segundo plano quando há o interesse político. Oimpeachment do Collor foi tipicamente político. Tanto que ele foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal e condenado pelo Congresso. Todoimpeachment de agente político é iminentemente político e não jurídico. Como está acontecendo agora: Qual crime está sendo atribuído à presidente Dilma? O de improbidade administrativa, a possível pedalada... Mas a conveniência será política, até porque neste momento o que está em efervescência não é o Poder Judiciário, mas o político”, opinou.
Na avaliação do advogado Fernando Fernandes, do Fernando Fernandes Advogados, o impeachment pode ter fundo político, mas precisa necessariamente respeitar as normas jurídicas. Por isso não dá para dizer que o processo é predominantemente político. “O mundo político não está absolutamente de carta branca para destituir o presidente da República. Somente nos casos em que há crime de responsabilidade — e nesse caso não há. Portanto, em que pese ser também um processo político, está também atrelado as normas jurídicas e constitucionais”, afirmou.
Para o ex-deputado federal Márcio Braga, a competência para julgar o processo é do Congresso. "Acho que há base jurídica, mas o processo é eminentemente político. Temos que resolver a política para então resolvermos os problemas do país.” Ele entende que o processo obedece a formalidade jurídica, mas a decisão é claramente política: "Se 5 milhões de pessoas saírem às ruas pedindo o impeachment da presidente ela cai, não importa quais sejam as razões jurídicas". Para Braga, o TCU já provou que a presidente incorreu em crime de responsabilidade ao não observar a Lei Orçamentária. 
O juiz Rossidélio Lopes, presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, acha que o processo é mais político do que jurídico e que foi deflagrado também em razão de um sentimento de frustração. “Há um sentimento antigovernista grande, talvez pelo que a presidente tenha falado na campanha eleitoral e que frustrou muita gente. Não é legítimo você fazer uma campanha eleitoral escamoteando situações e fatos. O país saiu polarizado. E agora a questão serve como elemento disfarçadamente jurídico, apesar de ser político no final das contas”.
Para o desembargador Luciano Saboia Rinaldi, o processo doimpeachment é hibrido. Tem uma justificativa jurídica, já que o que está em julgamento é um suposto crime de responsabilidade da presidente, mas se desenrola num contexto político.
O desembargador Antônio José Ferreira Carvalho diz que a natureza do processo é jurídica, mas sua aplicação é política. "A decisão é política e o clamor popular também é político". 
Opiniões da advocacia
Já na opinião de Pedro Paulo de Barros Barreto, sócio de Sergio Bermudes Advogados, o julgamento tem conteúdo jurídico porque gira em torno da indagação da existência de um crime de responsabilidade, que é figura de Direito. “Todavia, a Constituição faz do impeachment um fato político porque o entrega às duas casas do Congresso, que é instituição eminentemente política, na pura acepção helênica do adjetivo”, ressaltou.
O criminalista Técio Lins e Silva, do Técio Lins e Silva & Ilidio Moura Advogados Associados, diz que o pedido foi aceito em um "cenário assustador" e que o comportamento do presidente da Câmara "não tem sido republicano". Quanto ao impeachment, ele considera que o processo é tanto político quanto jurídico. “Nesse momento de crise, as pessoas se aproveitam. Há um oportunismo político exacerbado para tirar um partido da situação. Então, tem um conteúdo político imenso que se baseia em um conteúdo jurídico, que seria a irregularidade fiscal do uso dos recursos, as chamadas pedaladas, que evidentemente é um fato que, por si, não justificaria uma punição tão grave de perda do mandato”, ressaltou.
O advogado Sérgio Tostes diz que o processo é tecnicamente jurídico. "Existe motivação legal que é a prática de crime de responsabilidade da presidente por não respeitar a Lei Orçamentária."
O defensor público José Augusto Garcia de Souza entende que o processo é notadamente politico, mas dentro de balizas jurídicas. "O processo segue as formalidades jurídicas mas o mérito do julgamento é político", ele diz.
Para a advogada Hosana Pereira, do Décio Freire Advogados, o Judiciário tem um papel a cumprir na tramitação do processo. “O impeachment está acontecendo em um período de confusão política, ao contrário do que aconteceu com Fernando Collor. Naquela ocasião, o país não enfrentava toda essa problemática financeira e de desemprego, que estamos atravessando. O país está totalmente desestabilizado. O Judiciário tem um papel importante dentro da legalidade processual. Mas até chegar no Judiciário, há várias fases. Acho que hoje está mais na mão do Congresso que no Judiciário”.
Opinião semelhante tem o advogado Gabriel Silva Dias, do Mello e Dias Advogados. “O impeachment é um processo político, que se desenrola nas casas legislativas, mas o Supremo tem que ser chamado quando a formalidade é atropelada. O STF vai ser o guardião da legalidade do processo político. Provocado, o Supremo tem que se manifestar pontualmente nas questões formais”, destacou.
O advogado Antonio Paulo Barça Rodrigues Barbosa, do Escritório de Advocacia Barça e Associados, acredita que o impeachment está sendo judicializado e que a Justiça deve se manter equidistante. “Para mim está claro que é um processo político, mas, no meu entender, está acontecendo a judicialização da política através de todos esses expedientes aos quais o Supremo está sendo instado a dar a última palavra. Não é adequada essa provocação excessiva do STF. Os atores políticos estão judicializando a política. O Supremo tem que ser mais neutro possível e bem pontual”.
Já o advogado Tiago de Melo Cunha, do Mello e Dias Advogados, acha que o Judiciário tem que estar atento aos acontecimentos. “O impeachment é um processo que tem um aspecto técnico-jurídico, mas está sendo manejado de forma política, pelos atores principais da república, no caso o presidente da Câmara. O Judiciário, então, tem que estar atento. Se provocado, tem que intervir”, ponderou. 
 é diretor de redação da revista Consultor Jurídico
 é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.

Revista Co




PEDALADAS FISCAIS

TCU rejeita recurso da União e mantém reprovação das contas de 2014 do governo

O Tribunal de Contas da União rejeitou recurso apresentado pelo governo federal e manteve o parecer pela reprovação das contas de 2014. Em decisão desta quarta-feira (9/12), a corte reafirmou o entendimento de que o atraso do repasse do Tesouro aos bancos públicos que financiam programas sociais fez com que as instituições financeiras se tornassem credoras da União, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. São as chamadas pedaladas fiscais.
De acordo com o relator do recurso, ministro Vital do Rêgo, “atrasar por longo tempo o pagamento correspondente à equalização de taxas de juros equivale a financiar-se junto aos bancos oficiais”. A defesa da União afirmava que os contratos firmados entre o Tesouro e os bancos previam remunerações variáveis de acordo com os resultados financeiros. Por isso, o atraso no repasse não eram operações de crédito, mas formas de garantir a continuidade das prestações de serviços pelo governo.
O TCU negou, mais uma vez, essa interpretação. A primeira rejeição das contas do governo aconteceu em abril deste ano. Naquela ocasião, em votação-relâmpago de 19 minutos, a corte entendeu que as pedaladas fiscais cometidas em 2013 e 2014 violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. “O mesmo precisa ser dito em relação às subvenções pagas pelo BNDES e pelo Banco do Brasil”, acrescentou Vital do Rêgo nesta quarta.
A rejeição das contas da presidente é um dos elementos citados pelos autores do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, os advogados Helio Bicudo e Miguel Reale Jr. Além das pedaladas de 2014, eles juntam ao pedido parecer do Ministério Público de Contas que enxerga repetição das pedaladas em 2015. O pedido de impeachment foi admitido pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na semana passada.
Para 2016, o TCU tem na pauta a responsabilização dos envolvidos nas pedaladas. O tribunal aponta o envolvimento de 17 autoridades — entre as quais não está a presidente Dilma. Estão arrolados no processo o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o ex-presidente do Banco do Brasil Ademir Bendine (atual presidente da Petrobras), o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Hereda, o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. O relator é o ministro José Múcio Monteiro. Com informações da Agência Brasil.
Revista Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2015, 20h23

domingo, 27 de dezembro de 2015

LUCIANA GENRO - “As pessoas se sentem traídas”





“As pessoas se sentem traídas”


FOTO: LINCON ZARBIETTI / O TEMPO
LUCIANA GENRO
Ex-candidata do PSOL defende estratégia contra Cunha e Temer
PORTO ALEGRE. Após causar polêmica nas redes sociais na semana passada, ao defender a convocação de eleições gerais em 2016, Luciana Genro se diz preocupada com os “desdobramentos do impeachment na Câmara” e com o vice-presidente, Michel Temer, “ensaiando passos para uma ruptura” com o governo.

A presidente do PSOL afirmou que seu posicionamento – que dominou os assuntos mais comentados do Twitter – conseguiu pautar um debate importante no Brasil. “Teve essa repercussão porque há um forte sentimento de estelionato eleitoral”. Para ela, nem Temer e nem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, têm legitimidade para conduzir o país.

Para evitar que Temer ou Cunha assumam o comando do país com o impeachment de Dilma, a única saída possível para Luciana seria a renúncia da presidente e a convocação de eleições gerais no ano que vem. 
 
Segundo ela, o governo perdeu a credibilidade: “As pessoas estão se sentindo traídas. Eu não me sinto confortável em ir a uma mobilização para dizer simplesmente ‘fica Dilma’. A gente precisa dar uma resposta para esse sentimento de traição”.




Renan age para aumentar seu ‘cacife’ e preocupa o Planalto 

Ao provocar o STF, Senado poderá se tornar a trincheira definitiva que vai definir futuro de Dilma


PUBLICADO EM 13/12/15 - 04h00
BRASÍLIA. Pessoas próximas ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), alertam: a mais nova cartada do peemedebista, que busca garantir na Justiça a última palavra sobre o afastamento da presidente Dilma, não deve ser vista como um aceno definitivo à petista. Na verdade, asseguram, ele joga para aumentar seu cacife na arena que definirá o futuro do governo. 
Se Renan conseguir emplacar a tese que defende no Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado se tornará a trincheira definitiva para a permanência ou não de Dilma no cargo e, ele, por consequência, a peça mais importante no xadrez político. A teoria vai de encontro a um movimento deflagrado na última semana, quando senadores do PMDB fizeram gestos na direção do vice Michel Temer, que assumirá a Presidência em caso de impedimento de Dilma.
O aceno preocupa aliados da presidente. O Senado é considerado o último reduto de suporte ao Planalto e já dá sinais de que seu apoio começa a ruir. Senadores da base confessam, nos bastidores, que avaliam o momento de abandonar o barco dilmista.
Dois episódios foram cruciais para a mudança de humor na Casa: a carta enviada por Temer a Dilma na última segunda-feira e, no dia seguinte, a eleição na Câmara de uma chapa majoritariamente pró-impeachment para a comissão que tratará do caso – foram 272 votos contra o governo e só 199 a favor.
O resultado foi recebido com espanto no Senado. Renan estava em reunião fechada com colegas quando soube da notícia. Lívido, de acordo com os relatos, passou os dedos pela lista de nomes que havia sido escolhida e fez uma previsão sobre a erosão dos votos que o governo ainda tem na Câmara, em partidos como o PSD e o PP. Ele considerou o evento o momento-chave para o desfecho da crise política.
O resultado ruim para o governo também foi crucial para mudar a percepção de outros senadores do PMDB. Assim que a carta de Temer a Dilma foi divulgada, o conteúdo foi criticado pelos correligionários do vice no Senado. Os comentários foram de que Temer se apequenou ao expor sua relação com a presidente daquela forma.
No dia seguinte, o discurso era outro: os senadores constataram que a carta – com tom de rompimento – foi determinante para ampliar a derrota que o governo sofrera na Câmara.
A partir desse momento, o assédio a Temer cresceu. O vice, por exemplo, circulou com desenvoltura tanto entre os senadores da base aliada como da oposição, no jantar oferecido pelo líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), na última quarta-feira.
Alguns senadores do partido consideram, inclusive, baixar o tom nos discursos hoje ainda em defesa do governo porque já avaliam que a batalha caminha para uma a derrota.


TCU investiga decretos de 2015


Brasília. O Tribunal de Contas União (TCU) abriu investigação para apurar indícios de irregularidades na edição de seis decretos de liberação de recursos assinados pela presidente Dilma Rousseff entre 27 de julho e 20 de agosto deste ano. As autorizações, que totalizam R$ 95,9 bilhões, são um dos três motivos do pedido de impeachment da petista em análise na Câmara. 
O relatório no qual o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), justifica a abertura do processo também cita as pedaladas fiscais e suposta responsabilidade de Dilma nos “desmandos” da Petrobras. 
 
Em despacho assinado na quinta-feira, o ministro José Múcio Monteiro autorizou inspeção na Presidência da República e no Ministério do Planejamento para apurar se Dilma descumpriu a lei orçamentária ao permitir as liberações. 
 
Os auditores pretendem checar a regularidade de todos os decretos de mesma natureza editados ao longo do ano, inclusive os assinados pelo vice-presidente Michel Temer em períodos de interinidade na Presidência. Temer é signatário de cinco decretos no valor de R$ 10,2 bilhões. 
O pedido de investigação foi feito pelo Ministério Público de Contas, que atua no TCU. A representação, do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, também embasa o pedido de impeachment dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal admitido por Eduardo Cunha.


“As pessoas se sentem traídas”


FOTO: LINCON ZARBIETTI / O TEMPO
LUCIANA GENRO
Ex-candidata do PSOL defende estratégia contra Cunha e Temer
PORTO ALEGRE. Após causar polêmica nas redes sociais na semana passada, ao defender a convocação de eleições gerais em 2016, Luciana Genro se diz preocupada com os “desdobramentos do impeachment na Câmara” e com o vice-presidente, Michel Temer, “ensaiando passos para uma ruptura” com o governo.

A presidente do PSOL afirmou que seu posicionamento – que dominou os assuntos mais comentados do Twitter – conseguiu pautar um debate importante no Brasil. “Teve essa repercussão porque há um forte sentimento de estelionato eleitoral”. Para ela, nem Temer e nem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, têm legitimidade para conduzir o país.

Para evitar que Temer ou Cunha assumam o comando do país com o impeachment de Dilma, a única saída possível para Luciana seria a renúncia da presidente e a convocação de eleições gerais no ano que vem. 
 
Segundo ela, o governo perdeu a credibilidade: “As pessoas estão se sentindo traídas. Eu não me sinto confortável em ir a uma mobilização para dizer simplesmente ‘fica Dilma’. A gente precisa dar uma resposta para esse sentimento de traição”.